terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Black&White

Pensava para si próprio, quem somos nós para julgar os outros pela aparência? Ninguém, é certo, mas porém admitia que não faziamos nós outra coisa que não fosse julgar, avaliar, decidir, opinar a cada passo, quando olhamos ou observamos as pessoas quando nos cruzamos e entrecruzamos na rua, nos transportes públicos, ou quando lhes cedemos a passagem do conforto do nosso carro. Pensava nisto enquanto recordava um casal, que tinha visto há poucos dias, num jardim público, enquanto passeava pela cidade, um casal interessante, e do qual apenas teve pena de não lhe ter tirado uma fotografia, ainda que subrepticiamente e, por certo, tremida, e desfocada.

Sentados num banco de jardim estava então um casal.
Ela era gordinha, na realidade era uma bola, ainda que, como bola, não fosse muito grande. Loira natural e branca. Fumava um cigarro encostada a ele.
Ele, negro, retinto como a noite escura, mais musculado do que magro, mãos duras e magras de aparência.
Ambos bem juntinhos de braço dado e mãos entrelaçadas uma na outra, à conversa, olhando em frente, para parte nenhuma.
Era estereotipada a forma com que ele os olhava, concluindo que ele teria uma tara por gordinhas de pele branca, um fectiche para ele, e seria por certo ela uma fetichista por negros de ébano feitos e membro desporporcionado, para a sua raça, não a dele.

O observador era branco, e por isso a sua observação estava condicionada à inveja com que os brancos invejam sempre a forma e a dimensão com que supõe todos os negros virem equipados de origem.
Ao passar e observar aquele quadro, a sua mente perversa, que possuia um chip integrado que acrescentava laivos de pornografia em tudo o que via, por momentos, alguns segundos se tanto, congeminou logo ali um desfiar de visões fantasiosas, quase reais, daqueles dois envoltos em prazeres carnais, imaginando-os amando-se com tal ferocidade e violência que quase a sentiu ele próprio, como se fosse ele um deles ou os dois, tal a força das visões das suas formas e cores contrastantes em movimento. Viu-os nús, sentados naquele mesmo banco de jardim, ela em cima dele, ele afundando os dedos negros nas suas nádegas e costas, gordas e de um branco leitoso, enquanto que se enterrava dentro dela e ela, replicava o seu ritmado movimento pélvico em aparentes espasmos musculares esfregando-se conta ele em acelerando crescendo, apertando-o contra as madeiras do banco, gritando a cada passo e ele com a cara por entre o peito dela, quase sem conseguir respirar, arfando forte e profundo, sufocante.
Lembrou-se de um filme qualquer, hard-core, talvez o tivesse visto em anos que já lá vão, no Sá da Bandeira, ou assim, algures nas trazeiras de uma memória qualquer, recorda-se de uma gaja aos gritos, «Não pares!» Repetia-lhe ela, numa cena de pura violência em que ela forçava o seu corpo contra o dele, em movimento rítimico, que ele se esforçava por acompanhar. Ele visívelmente cansado, esgotado, e aquela cama que tinha que ranger e bater contra a parede, de forma que irritava e desconcentrava (mesmo para a plateia). Os seus corpos já se desfaziam na liquidez quente e húmida dos fluidos que trocavam, e que produziam ruídos melosos, por sentre o seu esforço para chegar ao clímax, talvez os dois, ao mesmo tempo, um pelo outro e em uníssono. A respiração era já um arfar violento e entrecortado de gemidos abafados e os seus dois corpos, misturavam-se em abraços, apertões, mãos cravadas na carne, e ao mesmo tempo de pequenos gestos carinhosos, contrastantes.

Pestanejou e a visão ... dissipou-se.
Já não sabia distinguir qual das imagens era a que viu, a do filme ou a outra. Tão rápidamente quanto tinha aparecido a visão, ou visões, desapareceram, e não se deu mesmo ao trabalho de olhar para trás, para eles, para confirmar o que era afinal real ou irreal. Se calhar com medo, de saber o que era real do irreal, com medo de confirmar que a visão que teve tinha ou não existido, fosse visão ou realidade vista. Confuso.
Seguiu em frente sem ter a certeza, preferiu assim que de outra forma fosse.
Ficou sem saber.

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