quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Pesadelo



Sentiu-se gradualmente despertar, com aquela sensação quente no estômago de satisfação que tanto gostava, apercebeu-se depois que uma mão suavemente lhe afagava a cabeça, pausadamente, percorrendo as ondas do cabelo com os dedos.
Os olhos abriram-se despertos numa explosão que misturava aquele prazer gostoso com o espanto de se aperceber que aquela mão não seria própriamente a sua, seria antes de outro alguém que, sem razão aparente, lhe estava a fazer festas na cabeça.
Mais do que isso, apercebeu-se mesmo antes de olhar para lá, que quem quer que fosse estava algo debruçada sobre si e a olha-lo fixamente.
Vira-se, olha e...
-- Menina, está bem?
-- Eu estou, muito bem por sinal, e tu? Sentes-te melhor?
-- Pois... eu nem por isso. Porque razão me está a fazer festas na cabeça? Não nos conhecemos.
-- Eu sei, mas estavas aí a dormir sossegado e depois como te vi a chorar, ainda pensei acordar-te, mas resolvi acalmar-te, e só me ocorreu fazer-te o que faço ao meu irmão mais novo quando tem pesadelos. Sentes-te melhor?
-- HUMPF (pôs os olhos no chão) ... e eu disse alguma coisa durante o sono, alguma coisa que se percebesse?
-- Nem por isso, por acaso grunhiste mais que outra coisa qualquer. Como te sentes?
-- Nada bem... normal... não sei. De todo modo obrigado. O que a levou a fazer isso? Não nos conhecemos de lado nenhum.
--- Por nada, tenho a mania que sou a Madre Teresa de Calcutá, pelo menos é o que dizem as minhas amigas. Estás a gostar?
Só naquele instante se tinha apercebido que ela, não só ainda não tinha tirado os olhos dele, como a mão permanecia no mesmo pausado ritmo em cima da cabeça.
-- Já pode tirar a mão da minha cabeça.
-- Mas não esás a gostar? Se não estiveres a gostar eu tiro.
-- Nada disso, até bastante, mas ...
-- Pronto. Já tirei. (sentou-se direita)

Lembrou-se então que a tinha visto na central de camionagem, e depois quando se sentou. Verificou o lugar quando entrou, e o bilhete, e constatou que ela estava sentada no seu lugar. Ela era uma rapariga bonita, loira, olhos claros, vestido branco com flores amarelas. Dormitava e pareceu ficar atrapalhada quando se apercebeu que se tinha sentado no lugar dele. Ele sossegou-a, deixou-a estar e sentou-se no lugar dela.  Adormeceu fácil, com o embalo, nada fazendo supor que iriam estar à conversa cerca de duas horas depois, e algumas centenas de quilómetros dali.
A luz era fraca, início da noite, e ela parecia-lhe quase negra, pela luz e porque estava bastante bronzeada, o que fazia com sobressaíssem ainda mais os seus olhos, autênticos faróis.

-- É possível, isso que diz sobre ser uma Madre Teresa, mas isso não responde à minha pergunta. O que a levou a fazer isso?
-- Não sei, pareceste aflito, já tinha reparado no teu olhar triste lá fora, cara séria. Não sei bem explicar, senti que tinha de fazer isso. Se te incomodou tanto peço desculpas. Não percebo porquê, mas peço.
-- Não peças desculpa. Estendeste a tua mão para ajudar alguém. Obrigado pelo teu carinho. É inesperado. Fico sem palavras.     
De facto tenho alguns problemas que me atormentam e... se calhar tenho pesadelos, não me tinha apercebido, já não me basta ressonar, enfim...
-- O teu ressonar é um bocado chato, acordei com ele, mas ainda me ri com a senhora senhora ali à frente do 17.
-- Ah?? Porque raio??
-- Fazes lembrar uma mota que o meu avô tinha.
--- Obrigado pelo elogio.
-- A sério! Eu cá achei giro.
A conversa foi amolecendo pelo caminho, o autocarro já estava a subir a região montanhosa e o frio, apesar do aquecimento ligado, foi tomando conta de todos.
Quase de repente ele levanta-se, estica-se para chegar à prateleira por cima dos assentos, e coloca o seu sobretudo por cima dela, aconchegando-a.
-- Obrigada. Estou arrepiada de frio.
-- É costume nesta zona, nesta altura do ano. O aquecimento do autocarro não consegue compensar a temperatura a tempo.
-- Fazes muitas vezes esta viagem?
-- Algumas. E tu?
Algo mudou. Ele que era sempre tão formal, sem se aperceber nem saber porquê, tinha passado a tratá-la na 2ª pessoa. Pareceu que, quase, queria confiar nela.
-- Eu não, é a primeira vez, vou passar uns dias a casa de uma amiga.
Sentiu voltar-lhe o sono pesado, e a conversa quedou-se quando ele pegou no sono outra vez. Acordou algum tempo depois quando o autocarro parou numa área de serviço, para descanso dos condutores. Com as luzes acesas reparou melhor no rosto dela. Já dormia, toda encolhida, sorria, quase, com os seus dois lábios fininhos. O vestido dela tinha-lhe subido um pouco revelando uma das bem torneadas coxas, quase quase até á curva da nádega, tudo bem feito. Com todo o cuidado que conseguiu, tapou-a o mais que pode com o sobretudo, que era bem comprido.
Ela agarrou-lhe na mão, rodou, e deitou-se sobre o seu colo, agarrou-se ao seu peito, e enroscou-se encostando nele o rosto. Ele ficou sem jeito.
A luz do autocarro apagou-se, e naquele instante e naquela luz ténue, apercebeu-se que um daqueles dois olhos claros, um daqueles faróis, o olhava, de baixo para cima.
Ela subiu mais um pouco, encostou o rosto quente ao seu pescoço e apertou-o um pouco mais.
Ele não sabia o que fazer.
O que se passou a partir daí não tem bem memória.
Aconchegou-a para junto dele, ela encolheu ainda mais as pernas, por baixo do sobretudo, e ele segurou-lhe os pés, nus, que aqueceu com a sua mão.
Mais quente, mais aconchegada, a respiração dela mudou para um ritmo inaudível.
Beijou-o no pescoço, e subiu mais um pouco em beijos mais quentes e cada vez mais arrastados, e sumarentos.
A boca dele estava mesmo ali à sua espera.
Ele não se fez rogado, enroscados um no outro, o beijo selou-se num nó perfeito de lábios e línguas e calores húmidos e sabores.
As mãos de ambos já se encontravam perdidas nas palavras tácteis dos afectos, afagos ténues, determinados e direccionados, quentes e impetuosos.
Sôfregos.
Tentaram até ao limite não se fazerem ver nem ouvir, abafados pelo silêncio das suas bocas, e pelo  troar barulhento do autocarro que os parecia ajudar na subida.
Os seus olhos, desnecessários no sentir, por vezes abertos, apenas tinham relampejos de  consciência nas ocasionais luzes da estrada, que davam flashes da cena, como num filme negro.
Trocaram nada mais que silêncios.
Entregaram-se só às palavras trocadas pelo calor do corpo e do toque das mãos.
Só se tocaram.
Em todos os bocados de cada um, mas só se tocaram.
Emudecidos mas sempre, em ruidoso sentir.

Quase até ao fim da viagem, já o sol ia alto, continuaram o mais apertados que conseguiram, sem trocar palavra, com as mãos tocando no corpo um do outro, não importava onde, e ele sempre a afagar-lhe os pés. E sempre olhando, ele para o azul claro celeste, e ela para uma estranha misturada verde e castanha que não conseguia perceber.

A viagem chegou ao fim e lá retomaram as respectivas e bem comportadas aparências. A senhora do 17 deu uma espreitada sorrateira para trás e emitiu um sorriso quase imperceptível e matreiro.
Ela dá-lhe um beijo de supetão e pede-lhe desculpa.
Ele olha para ela sem perceber.

O autocarro ainda mal tinha parado e ela sai disparada do lugar.
-- Estão à minha espera.

Ele não foi atrás.
Saiu e antes de recolher a mala viu que ela abraçava uma rapariga, a amiga por certo, e viu-as desaparecer rua abaixo.

Depois apercebeu-se que  ... nem o nome tinham dito um ao outro.
Dela apenas dela tinha ficado o cheiro e o sabor.
E a memória.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Chupa Chups



Estávamos os quatro no escritório do João, sentados ao redor da velha secretária de mogno do escritório que foi do seu pai. Falávamos disto e daquilo, as baboseiras do costume, de um fim de tarde de sexta onde já se entrava na descompressão do fim de semana, até que descambou a coisa para as conversas de saias, cama, coito, e pinanço propriamente dito.
Por entre o já habitual chorrilho de barbaridades, o João, remata com uma pergunta que fez saltar um silêncio sepulcral no escritório: 

-- então digam lá, quando foi a última vez que vos fizeram uma boa mamada, uma mamada à séria, feita por uma gaja que saiba o que está a fazer?

O silêncio prolongou-se entre os quatro amigos, o que era estranho, ainda mais porque sabiam da vida de cada um suficiente para estarem sem rodeios a falar do que quer que fosse.

-- Ó Manel, começa lá a botar faladura, pá!

-- Ó pessoal, voçês sabem como é, eu desde que casei que me deixei dessas berlaitadas, e a minha Maria não alinha muito nessas coisas. E se bem me lembro a última vez que isso chegou a acontecer, ainda tinha o meu Jorge uns 10 anitos... por isso estão a vez.

-- Mas como é afinal, a Maria faz bem o serviço ou quê?

-- Menos mal, menos mal, mas agora já me lembro, da última vez aquilo correu mesmo mal, se já era difícil agora é que é impossível.

-- Vais contar ou vai ser preciso enfiar-te um par de estalos?

-- É pá... não é preciso tanto. O que aconteceu foi muito desagradável. Aquilo até estava a correr bem, e quando eu estava quase exclamei qualquer coisa tipo estou–me a vir, ela não percebeu, porque eu lhe tinha tapados os ouvidos com as coxas. Quando me vim ela engasgou-se e depois passou o resto do dia a bochechar com elixir ... ouvi tantos desaforos que ainda me doem os ouvidos só de pensar. Agora népias.

(durante este tempo todo os outros riam-se alarvemente)

-- E tu Joca, como é?

-- Sabes que eu não perdoo pá, e se a minha mulher não quiser há sempre mais quem queira. Ainda no mês passado estava de viagem lá para Trás os Montes e meti conversa com a trintona da recepção da pensão e acabou a conversa a mamar como gente grande. Valente! Estou convencido que me chupou até à parte de dentro do forro dos guizos. Acho que ainda não me passou o efeito.

(gargalhada geral)

-- A mim escusas de me perguntar que eu já te contei, mas estes dois não sabem e por isso. A melhor que tive até hoje foi com uma colega lá da agência. Tínhamos ido a um cliente  que ficava longe e no regresso fez-me uma de ir às lágrimas, comigo a conduzir a mais de 120 em plena autoestrada! Indescritível!

-- Olha lá, e tu? Estás para aí a perguntar aos outros e ainda não abriste o bico? Como é?

Nisto sai de baixo da secretária de mogno a boazuda da Marlene, ainda a limpar-se a um lenço de papel, e pergunta: 

-- Algum dos senhores aceita um café?


domingo, 21 de outubro de 2012

A mulher a dias


Ela entra vestida de bata verde de empregada de limpeza, com nódoas, e o cabelo num desalinho, cheirava a transpiração e a lixívia da loja dos trezentos.
Ele olha para ela, sentado na sua cadeira de couro e com o seu Armani a tresandar a perfume, e continua a teclar no computador.

- Posso despejar o lixo?

Era uma empregadita qualquer, mas não se lembrava desta, seria por certo nova ou vinha fazer o serviço de uma outra que tinha inventado uma desculpa da treta para não vir trabalhar.

A cena repetiu-se mais algumas vezes, algumas vezes, em outros dias.

Um dia, não que fosse de meter conversa com os subalternos, ainda para mais de um a empresa de fora, mandou-lhe uma boca qualquer, pois já não estava a conseguir manter a pose de cada vez que ela chagava a transpirar, com a tatuagem do pé e na canela a meter-se consigo e a deixar-lhe os pirolitos da cabeça em banda.

Ela também não se fazia rogada e olhava para ele com ar de quem o comia todo, ele não era mal parecido e aquele cheirete a perfume caro tirava-a do sério, fazia-lhe palpitar as carnes e enervar os joelhos.

Naquele dia, não muito diferente dos demais, deixou-se ficar até mais tarde. Como sempre avisou o segurança e lá combinaram uma hora para ele fechar o edifício.

Não se conseguia concentrar no que estava a fazer, aquele relatório mensal estava-lhe a entrar no nervoso miudinho, simplesmente não estava a conseguir, nas narinas ainda conseguia sentir o cheiro da lixívia e da transpiração.

Resolveu olhar para o papel outra vez e de um ímpeto deu-lhe um toque para o telemóvel. Ela sem se fazer rogada apareceu-lhe no gabinete com a bata cheia de nódoas e a tresandar a transpiração e a lixívia rasca  e sem quase nada por baixo.

Trancaram as portas, baixaram as luzes e correram as persianas, para se adivinhar um pouco menos, pelo menos para fora, não fosse o segurança fazer uma não programada ronda, e quase como se estivessem preocupados com o pudor e a decência do que se iria passar a seguir.
Atiraram-se  um para os braços do outro, mas também para as coxas e as costas o peito, ou os peitos, ele mal sem despir o fato e a gravata e ela só com a bata meia enrolada para cima.
Ela ajoelho-se frente a ele na cadeira de pele para lhe acender convenientemente o rastilho depois de costas ela sentou-se em cima e aproveitando o pneumático da cadeira subiram e desceram sem fazer esforço.

Ele atirou-a para cima da secretária e chupo-a com força para constatar que era mesmo esse o cheiro transpirado que tinha sentido, cheiro intenso e sabor áspero como gostava. Enterrou-se nela com força e premeditação. Ele dobrou-a sobre a secretária e ela agarrada ao tampo segura os impulsos dele. A seguir senta-se na beira da secretária e ele sem desarmar, e ainda sem tirar o fato, entra e reentra nela como se tivesse a matá-la à facada.
O fato seria Armani ou assim, e ele era o oposto dela, pois depois de tanta refrega ainda transpirava o perfume que tanto a deixava louca.

Consumou-se no seu peito depois de o ter feito um sem numero de vezes, talvez mais do que as vezes que ele se forçou para dentro dela, mais do que as que estava a contar por certo.

Sem trocar palavras, limparam-se e ela saiu.

Ele enviou o relatório conforme estava e desligou o computador.

O fato foi para a lavandaria no dia seguinte e eles nunca mais se viram, pois ela no dia seguinte estava a trabalhar noutro local, a substituir mais uma colega que tinha faltado, e ele tinha sido chamado à administração apresentando-se um dia depois nos escritórios de Antuérpia para um cargo de chefia.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A Vizinha







Parecia uma mulher desleixada consigo própria, com o cabelo desorganizado e a precisar de arranjo, a cara deslavada, sem cor, roupa um pouco larga até, mãos secas e gretadas, algo "frieirentas", mas na sua boca, na sua boca portava garbosamente, e portava sempre, um sorriso de orelha a orelha, sorriso honesto e profundamente sincero que ostentava para a filha pequena que, pacientemente, trazia algures por entre as mãos cheias de sacos de supermercado.
Reparou nela quase por acaso, quase em querer, pelo canto do retrovisor, um dia quando esperava em cima do passeio por uma vaga para estacionar. Não se surpreendeu, ela era o retrato de tantas outras mulheres que, novas ainda, tinham sido colocadas de lado por quem não as soube cuidar ou que as tinha lançado prenhas ao sabor da sorte.
Acabou por meter conversa com ela, também sem o programar, aconteceu, um dia qualquer, enquanto o seu schnauzer cativou a atenção da miúda. Trocaram duas palavras, ou três, à cerca da intimidade entre cães e as crianças.

Desde aí cumprimentavam-se sempre, na simplicidade dos gestos do dia-a-dia, como quando se cruzavam na rua, ou no parque, e sempre, quando e porque a filha se perdia em carícias mútuas com o schnauzer.
Uma tarde, aceitou sentar-se na sua mesa na esplanada do parque, oportunidade conferida pela sugestão dada à pequena de passear o cão, à volta do jardim, passeio que aconteceu, pelo entusiasmo e mão firme da garota, ali mesmo ao alcance da vista de ambos. Ela aceitou um café, depois a garota veio e pediu uma água, e o cão teve direito à sua medalha de bom comportamento, um biscoito.
Falaram de banalidades e das suas vidas tão fotocopiadamente iguais às de toda a gente que nem valia a pena referir o que quer que fosse, mas eram as suas vidas.

Veio o tempo quente, e sucederam-se os encontros e as conversas proporcionadas pelos passeios no parque, com a filha a crescer, Verão após Verão, entraram no quotidiano um do outro. Passaram-se a tratar pela segunda pessoa do singular. Às páginas tantas deram por si a trocar ocasionais almoços ou jantares, na casa de um e do outro.  Já se consideravam Amigos.

Um dia, tinha a garota uns 11 anos, coloca-lhes uma pergunta que os deixou embaraçados e sem saber o que responder: vocês são namorados?

Na verdade as palavras, e a resposta, perderam-se na atrapalhação do embaraço da pergunta.
Se calhar por isso, ou não, algo mudou neles. Embora sentissem que já se conheciam bem, tinham confiança um no outro, no olhar de ambos, algo tinha mudado. Passaram-se a olhar de forma diferente. O toque da face quando se cumprimentavam sentia-se mais quente.

Até um dia, por sinal de noite, em que ele preparava o prato preferido da garota, e dele também, um spaguetti bolognesi. Na azáfama da cozinha dele, apertada de espaços, as suas mãos, tocaram-se molhadas no lava-loiças. O toque foi quente e sem querer, mas o sentir foi intencional.

Por breves segundos os dois corpos encostaram-se diferentemente, e ambos olharam as suas mãos que se entrelaçavam debaixo da torneira da banca, em esfregada sofreguidão de sentir.
O esparguete passou-se e o molho quase queimava, sendo preciso alguns truques de algibeira e alguma boa vontade a comer, para salvar o jantar.
Não conseguiu comer direito,  ele, ela ganhou apetites e repetiu o prato.
Depois de jantar foi levá-las a casa, alguns metros abaixo, debaixo de uma chuva cacimbenta.
Ela encostou-se a ele e apertou-lhe o braço com forças desmedidas debaixo do chapéu de chuva.
Despediu-se da miúda.
Quando a mãe saiu da sala para a levar ao quarto perguntou-lhe: esperas?
Ele sentou-se na sala, nervoso como nunca tinha estado, fazendo um descontrolado zapping que nem dava para entender o que estava a dar em cada um dos canais por onde passava.


Ela entra na sala e senta-se de frente no seu colo, enquanto lhe corta as palavras e a respiração na sofreguidão de um longo e molhado beijo que ele correspondeu, ainda que tentasse concentrar esforços em apagar a televisão e tirar o comando da mão, que tinha ficado debaixo dela quando rebolaram para o lado.
Dali para o quarto apenas trocaram palavras simples, como o apagar das luzes e o trancar as portas entre os tropeções à coisas e os sapatos caídos pelas escadas abaixo, sempre sem tirar a boca da boca e as línguas entrelaçadas numa espécie de nó que não queriam desatar tão cedo.
A sofreguidão levou-os à cama e o toque da roupa foi dando lugar aos apertados e escaldantes afagos da descoberta do corpo de cada um, e do prazer que já não tinham memória de sentir.

A noite perdeu-se numa insónia feita de descoberta, de procura do sentir dos prazeres um do outro, ele atrapalhado pela sua experiência ser fundamentada nas raparigas da vida e das namoradas da juventude perdidas nos meandros do esquecimento, ela pela sua pouca experiência de poucos namoros e de uma relação embrulhada em estupidez máscula e pelo jejuar de muitos anos.
Lá encontraram um meio termo entre aquilo que queriam e o que julgavam ser o que sabiam do assunto.
Não, não ficaram namorados, apenas mais amigos, sempre um perto do outro, dando a cada um distâncias da sua própria maneira de ser, da vida de cada um, como o fizeram sempre até ali, mantendo este prazer descoberto como o encontraram, sôfrego, terno, extasiante, guardado no quarto fechado à chave, sempre às escondidas, sempre seu, secreto.