quarta-feira, 13 de março de 2013

Sonho



Não sabia bem se dormia, se sonhava acordada. Não se deu conta ao início mas ele chegou e entrou de mansinho, puxou-lhe o lençol, que a cobria nas noites mais quentes daquele fim de mundo, nem sequer lhe tocou, mas ela presentiu-o perto bem de perto, naquele quente quase toque, sem tocar, e na sua respiração lenta e abafadamente quente que a fez arrepiar em transpiração, mais um pouco transpirada do que estava, a sua pele macia, como um pêssego, carregado de pequenas gotas de orvalho da manhã. A noite ia longa e o quarto apenas ostentava raros laivos de luz dos candeeiros da rua, que erravam em formas irrequietas por todo o quarto, ao sabor do movimento da cortina enfunada pelo vento Leste sentiu um primeiro movimento que não conseguiu identificar talvez tivesse sido como um som longínquo e abafado e depois um pouco um segundo movimento igual talvez não percebeu mas mais demorado e um terceiro já o sentiu no peito como um botão que se desabotoa numa camisa apertada com o som áspero muito abafado do tecido e a certeza veio um tempo depois um que começou a parecer infinito a chegar numa inspiração mais profunda alterando do sossegado sono para uma crescente pausada e ofegante suplica de que mais um outro botão encontrasse a liberdade fazendo-a soltar um pouco mais contorcendo arqueando as costas suplicando que o sonho fosse e não fosse e mais um que se desprende após outro descobrindo-se primeiro em nuances anunciadas e depois em certezas de contornos iluminados por vezes por flashes em movimentos de luzes o seu peito já ao rubro bem antes do último botão gritar liberdade no toque frenético da rigidez rasgada da pele querendo rasgar uma e outra réstia de um vestido que já nada cobria já todos os botões eram desprendidos das suas prisões ela vinha crescendo num gemido mudo contorcendo-se até à exaustão de um grito longo que ninguém ouviu e ao sossegado silêncio do sono para onde voltou em desalinho e semi-nudez encharcada em suor coberta pela obscuridade da noite e o rendilhado movimento da luz a dançar-lhe no corpo
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ele não se tinha mexido não tinha sequer saído do cadeirão onde esteve sempre desde o princípio e onde a coberto da penumbra a observava deliciado carregado de ardente desejo tocando-lhe apenas com o olhar por entre longas baforadas do charuto que degustava desaparecendo por entre a nuvem de fumo de onde nunca tinha saído afinal.