quinta-feira, 21 de abril de 2016

contra a muralha




Acordou e ficou a pensar se ainda não estaria a dormir
E ao mesmo tempo, estava estranhamente molhado, húmido,
Em parte.
À sua volta ninguém
fora um sonho, pensou, ficou sem saber
ou perceber, pelo menos por um instante, no meio
consciente/inconsciente nem ao certo parecia saber
onde estava...



À ideia veio-lhe logo a sensação de deambular por dentro e por fora da cerca medieval que envolvia a cidade e de comtemplar a vista qualquer ali ao redor, uma vista a perder de vista, e
a aperceber-se ,quase no limiar da visão, de movimento, ali pelo canto do olho, distinguiu um tipo encostado a um canto escuro da muralha e alguém, por certo uma tipa qualquer, que ajoelhada aparentava estar a sugar-lhe as entranhas. 
Não desmontou a pose, fez-se de despercebido, e cedo se pôs dali para fora, como se nada fosse e nada tivesse visto, ao mesmo tempo, enraivecido por não ter podido observar aquele quadro pitoresco de um fellatio a céu aberto, em plena luz do dia, num local onde passava gente, e ele também.

Não pensou mais nisso excepto... quando chegou a casa.
O telemóvel tinha ficado em cima da cómoda e tinha um sem número de mensagens, da Lurdinhas, que só dali a um bocado olhou, quando entrou mais uma: «Então pá, não dizes nada?»

A que respondeu: posso ligar?

«Claro!»

- Olá! Desculpa mas saí e não levei o telemóvel. Não vi as tuas mensagens, ainda. Diz...

- Estúpido! Posso ir aí? Estou com vontade de ti.

- Claro que sim. Demoras...

Ela desligou antes que ele conseguisse acabar a pergunta.
Dali a pouco tocam à campaínha e ele deixa-a entrar. Ela irrompe pela casa dentro, beijam-se com beijos lambidos e trincados enquanto os dois corpos se apertam e quase se entrelaçam pela ânsia  que sentiam em se tocar, arrastando-se maté ao quarto enquanto dois pares de mãos sôfregas procuram tocar a carne um do outro.

- Espera! Exclamou ele afastando-a de si.

Hoje vi uma cena que me perturbou e vou ter de te contar.

- Agora não.

- Agora sim! (e contou) Ela manteve a mão onde a tinha e apertou-o com mais força quando ele chegou à parte importante da história. Ela sorriu e fez aquele olhar de quem queria ter lá estado também para assistir e ...
- Vamos, disse.

- Onde?


- Vamos lá, quero que o teu leite me escorra pelas beiças enquanto te aperto contra a muralha. VAMOS, gritou.

  
A cabeça dele parecia explodir de confusão, entre o desejo que a proposta lhe provocou  e o receio da exposição.

Tão depressa ela falou como se fizeram ao caminho, por entre mais toques e festas erotizando os corpos já de si sôfregos até lá chegar.

Procuraram o local e sem se fazer rogada ela empurrou-o contra a parede e começou a lambê-lo, chupâ-lo, sofrega, metódica, carregadinha de desejo, chupando até ao limiar da dor, tal era a sua fome de o sentir quente e molhado na sua boca, o membro rígido, e o sémen quente... A loucura, o crescendo e quase a vir-se ...



... passa um carro patrulha, que liga os rotativos e ...



No meio da confusão que se seguiu, horas a fio, a Lurdinhas só pedia que a deixassem acabar, degradantes momentos pelo gozo e a humilhação (dele) e o desejo lascivo dela, que só queria que a deixassem acabar o que tinha começado ...

segunda-feira, 7 de março de 2016

no café









Ela chegou-se ao pé dele e de rosto todo iluminado perguntou: Bom dia! Cafézinho?
Ele levantou os olhos do livro e respondeu: Sim, cheio se faz o favor.
Ela manteve o sorriso que lhe iluminava os olhos voltando-se de regresso ao balcão, ele baixou os olhos à leitura por um instante e ainda sem tocar no livro, de novo os levantou e observou o movimento do corpo nada atractivo daquela mulher, uma espécie de tronco abarrilado sem formas, apenas um deprimente pneumático a toda a volta, expressão feminina nula, um rabo do qual não se conseguia perceber a existência, quais formas “garrafa de coca-cola” qual carapuça, o seu trazeiro não passava disso mesmo até porque ficava algures, atrás, arrependido ficou de olhar.
Curioso, depois desse breve instante, o de olhar e reflectir, viu-se agarrando-a por de trás, no roço da carne, os dois corpos colados, apertando-a contra si, enquanto ele lhe puxava o rosto para lhe ver a expressão de um possui-me, come-me já!

Voltou à leitura sacudindo a ideia da cabeça.
Tinha almoçado mal, ainda tinha fome por certo.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

fomes







El amor es una migaja entre dos ambres

(Mário Benedetti)


Começo sempre do princípio, de cada vez que o meu corpo encontra o teu, na procura e na descoberta do teu toque e do sentir-te mas ao mesmo tempo como somatório de tudo o que vivi até aqui mais o que já é o meu conhecimento futuro, ainda que seja só a reacção que sei irás ter ao arrastar da língua pelas costas ou pescoço ou o tocar-te ao de leve com os dedos …

(suspiro) 15Out2015





Sentia-se ansiosa, e ao mesmo tempo vazia, como se o seu corpo sentisse a falta do dele. Uma ansiedade pela falta do outro.

Não percebia muito bem mas era aquilo que sentia. Era como que se o seu corpo estivesse ausente, tivesse deixado de existir, tivesse perdido todas as células por não sentir o seu toque, o seu cheiro. Ah… se pudesse tocá-lo ao menos, com a ponta dos dedos, as palmas das mãos, a língua (suspiro), o rosto e …  o corpo todo (suspiro pronunciado).

Lembrou-se como era fácil então, algumas palavras, tantas vezes só uma, ou nem isso, um suspiro, para que estivessem juntos. Bastava-lhe precisar, para que se tornasse realidade, para o sentir encostado a si, o calor do corpo, o arrepio da pele, a vibração do sentir, o derretimento do desejo lascivo no corpo e no pensar, o olhar de incontáveis palavras. Lembrou-se do calor viscoso do mel, escorrendo-lhe pela língua, garganta abaixo, e o cheiro, e o olhar desorientado, perdido em sentir. Passavam horas, esfregando a língua, os dedos, e literalmente o corpo todo, … penetrando voltando a penetrar ou apenas à porta, em tom de ameaça, mudando de posição, de lugar e forma, mais suave e carinhosa depois mais violenta e premeditadamente ordinária em gritos e insultos de toda a ordem, quase urrados, chegando ao fim de umas quantas horas, adormecia, ele ou ela, ou os dois, quase se ouvia o respirar de alívio (basta!), encharcados em suor e sem mais pingo de saliva ou de fluídos, sem mais orgasmos… , adormeciam onde estavam, tantas vezes um debaixo do outro, sem conseguir respirar lá muito bem …


Sentiu um arrepio gostoso, e um calor de dentro.


Suspirou sentido a ausência de tudo isso, mas também, e porque não, do dormir aninhada naquele abraço gostoso, sereno, pleno.


A memória deixou-a ainda mais um sentimento de vazio, por dentro e por fora.


De ausência.


Olhou a realidade ao seu redor, bebericou mais um pouco de chá e subiu.


Tentou adormecer, agarrada aos lençóis e almofadas sentindo o frio de dentro tomar conta de si …

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

acordou perturbada




“Ou enfim: o meu amor é «um órgão sexual de uma sensibilidade espantosa que [vibraria] fazendo-me dar gritos atrozes, os gritos de uma ejaculação grandiosa mas fedorenta, [presa do] dom extático que o ser faz de si próprio enquanto vítima nua , obscena […] diante das enormes gargalhadas das prostitutas».
Bataille citado por Roland Barthes, in Fragmentos de um discurso amoroso






Acordou perturbada com um sonho bom mas ao mesmo tempo 
sentindo o peito sufocado como se o estivessem a apertar. 
O sono não voltou, apesar do esforço em por de parte as memórias. Agora já não era como dantes, mas, porque raio haveria de reprimir as imagens, a perturbação até era boa, o aperto no peito sinal de que, afinal, sentia alguma coisa. 
Passou uma água pela cara e voltou a lavar os dentes para tentar tirar o sabor fétido que tinha na boca.

Desceu ao rés do chão e foi buscar uma cadeira à sala de jantar. Sentou-se ao contrário, com os braços apoiados sobre as costas a contemplar o sofá da sala de estar. Longo macio coberto de almofadas.

As  memórias do que vivemos fazem de nós o que somos, para o bem e para o mal, mesmo as memórias que tentamos reprimir.

Se o sofá tivesse memória... mas a memória daquele sofá, bem como das outras coisas, acaba por ser uma personificação que fazemos, um reflexo do que está na mente das pessoas.

Deu por si a entrelaçar os dedos das mãos. Suspirou e deixou-se levar pelas visões que a mente lhe retroprojectou na íris, das vezes em que ... ah, se o sofá falasse ... estremeceu.

Sem dar conta disso, a respiração mudou, sentiu-se quente, tocava-se já prazeirosamente no peito, no interior das coxas, no sexo, levando os dedos à boca, humedecendo a eros que já tinha disparado com a visão que os seus olhos viam já projectada pela mente as muitas e diferentes horas passadas no sofá em repetidas investidas e ondas de prazer orgásmico repetiram-se na sua mente, como ecos, replicando sensações vividas no corpo, na carne voltando à mente replicando, auto-alimentando-se como um eco de outro eco e outro eco mais ...



Era sempre assim, este sonho bom que lhe tirava o sono, o seu corpo recordava o sentir daquele crescendo de loucura e de mel derretido em corpos ferventes parecendo só um, em amalgama feita de dois corpos... o sofá tinha sido mais que qualquer dos outros locais da casa o lugar onde mais se amaram e mais vezes até, quase, à exaustão, sem nunca perder o tino, o sentido do que eram, esticando o tempo, esticando o sentir, sempre até para lá do limite mas, ao mesmo tempo, nunca transpondo os limites se é que tal coisa é possível...

Gritou e quando conseguiu quase sentiu tudo de novo, num longo arrepio, porém era vazio.
Estava só.


O sofá partiu no dia seguinte.