segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Muito mais além



Já dormitava quando o telemóvel tocou o toque de uma mensagem.
«Quero-te agora!»
Olhou o relógio e ficou confuso, baralhado, por instantes, entre o sono e aquele despertar. Teve de pensar um bocado antes de responder.
«Tens a certeza? Pensa melhor... Se calhar é melhor não...», respondeu.
«QUERO-TE JÁ!»
Suspirou profundamente ao mesmo tempo que o seu coração deu um salto no ritmo com que estava a trabalhar (já era o segundo hoje). Passou a mão pelo alto da cabeça e: «Dá-me 15 minutos»
«5»
Vestiu-se aos tropeções, t-shirt, calções e chinelos de dedo, voltou atrás para apanhar a carteira e lavar os dentes. Quase caía pela escada abaixo.
Parou o carro e apagou as luzes. Ela saiu da penumbra e entrou. Ainda não se tinha sentado e: « Arranca!... não quero que nos vejam. Agora vira aqui, e ali á frente no semáforo à direita, ...»

Foi seguindo o caminho indicado por ela em jeito de ordens gritadas. Em desespero, quase,  tentando obedecer. Nem articulou uma palavra.
À entrada, identifica-se enquanto ela se encolhe no seu lugar.
- Um quarto normal, por favor.
Ele fecha o portão da garagem e ela sai do carro para o quarto. Ele segue-a de perto. Parecia que aquele era em ambos um gesto normal já mecanizado, um hábito antigo.
Mal ele fecha a porta e se volta é envolvido pelo seu abraço apertado. Beijam-se. Ele, ainda sem perceber o que lhe tinha acontecido, tenta ler-lhe nos olhos a razão de tanta urgência. Ela parecia ter nos olhos o choro mas também o desejo e, ao mesmo tempo, a confusão tremenda que lhe reinava dentro da cabeça.
Enquanto o agarra e o beija, tenta tirar-lhe a t-shirt, entre a atrapalhação doida da luxúria, polvilhada de apertões, e beijos quentes molhados e sôfregos. Lá acabam de se despir a caminho do banho, para onde a mão firme dela o arrasta.
O banho esticou-se no tempo, demorado e quente, feito de perfumado ensaboar, de descoberta mútua, pelo toque das mãos, das formas do corpo, a pele sublimada pelo gel perfumado e pela água corrente quente, repetindo os mesmos gestos lentos carregados de carícias, sôfrego desejo e deslumbramento.
Muito mais tarde, meios secos, meios molhados, envoltos por dois roupões lavados e fofos, espraiam-se ao longo do sofá aos pés da cama, enroscados um no outro. Trocam estudiosos olhares silenciosos, continuando a experimentação da descoberta dos corpos, pelas mãos acariciadoras, e pelos beijos de lábios e línguas quentes húmidas e trémulas.
Conversaram enrolados no toque e no calor dos corpos.
Dos silêncios e do banho quente veio o sono. Ela adormeceu profundamente no sofá ainda que ele tivesse tentado convencê-la a irem para a cama. Em resposta arrastou palavras dizendo que era ali que estava bem e adormeceu com um sorriso carregado de tranquilidade. Ele suspirou ao vê-la tão frágil e inocente, tão despida de tudo e deixou-se ficar ali a zelar, envolvendo-a com o seu corpo como um animal que cuida da cria.
Acabou por não saber a razão da urgência, a razão  da mudança, a razão do querer. Não lhe importavam as razões, ali estavam os dois agarrados no sofá e nada mais à volta interessava. Era um momento só deles e, ainda que fosse aquele o último, sentia-se bem apenas com o estar ali.
Num dos momentos de consciência entre o dormir e o estar acordado, apreciou aquela cena como se estivesse a pairar fora dela. Os seus dois corpos, meios cobertos meios descobertos por roupões brancos, deitados naquele sofá de couro preto, por baixo um espesso tapete vermelho, à volta e por cima espelhos reflectindo a cena em ângulos diversos.
Reflectiu sobre os reflexos deles próprios, como reflexos da realidade real de ambos, ao mesmo tempo reflexo da “pluri-pluralidade” das diferentes formas de ser e sentir.
No meio disto, recordou-se de quando se encontrou com ela pela primeira vez, nervoso, às escondidas, e do salto que deu o seu coração, ficando com o ritmo todo aos ziguezagues, com o primeiro beijo na face e o toque no braço frio dela.
Não deu por adormecer.

Foi ela que o acordou, com um beijo, qual fada saída de uma nuvem cor de rosa.
« Reality check... que horas são?»

Levou-a a casa quando o sol já se espreguiçava lá ao longe, cheio de frio. Ela saiu com tristeza no olhar. Não conseguiu disfarçar.
« Não fiques assim. Vá lá... falamos depois, sim? »
« Sim... »

Tinham estado juntos na intimidade partilhada do corpo e do sentir, porém não tinham sublimado o momento, quem sabe por não o quererem estragar, confundindo tudo, trocando aquele momento por outro qualquer.
O olhar dela parecia dizer: mas ... não fizemos amor.
Ele sorriu e respondeu à pergunta que os olhos fizeram.
« Se pensares bem, fomos bastante para além disso.»

Podia ter sido esta a última vez que estavam juntos, porém nunca haveria uma outra igual.