quinta-feira, 13 de junho de 2013

Tortura

Lembras-te do que te prometi?...
Pois bem... esquece tudo isso e... fecha os olhos.
Descontrai.
Descontrai mesmo, e deixa de te aperceberes de tudo o que te rodeia.
Sente só a minha voz.
Esquece onde estás.
Sente que estás completamente nua, e os lençóis são a única coisa que o teu corpo toca. Sentes-te vazia de todo o sentir excepto o seu toque, leve, quase imperceptível, quase que não estão ali. Consegues sentir só isso?
O teu corpo emana um pouco de calor, aquele que precisas, o único que sentes, ou quase não.
A tua respiração desce, baixa, nem a sentes ou a ouves.
Deixas-te afundar.
Fundo.
Só a minha voz, é o único elemento exterior, propositadamente suavizada e lenta, quase em jeito de voz da tua própria consciência, decrescente, lenta, lânguida, profunda.
Assim estás e te deixo imóvel, no meio da cama que estivemos a fazer, de lençóis brancos, e edredon que ficou ao fundo.
Sentes o som da minha voz e da deslocação do ar quente, cada vez mais quente que sai da minha boca na contemplação das formas do teu corpo adivinhadas nas formas que o lençol projecta na minha mente.
.
Não percebes porquê, pois não me sentes na cama, apenas sentes a minha voz, que te toca ao de leve, na vibração que imprime ao ar de humidade quente projectada que te faço sentir na orelha, depois na outra, e que faço descer em palavras suaves, pelo ar deslocadas, nos contornos graciosos do pescoço, que alongas, e com tentas fugir já adivinhando, já se sabe, o ombro, que dá um salto e que quase beijo, mas não, não é o momento... a minha voz percorre num crescendo lento descendente, intenso, o teu colo, sem o descobrir, como não descubro os braços onde me perco nem a barriga firme, de mármore rosada, que contrais quando os primeiros sinais desta vibração quente a atingem, e que antecedem a dificuldade com que tentas segurar o teu corpo de saltar, quando te lanço uma propositada lufada de ar quente, onde já transpiras, por dentro e por fora, e depois descendo às coxas que parecem querer abraçar-me, mas que contrais para não te mexeres. Lembra-te que tinhas prometido não te mexer! As pernas, e os pés de unhas pintadas de vermelho forte, onde desço e subo, pensando tu que já te iria tocar, mas não, peço-te ao ouvido que te voltes. Quero-te de costas.
Já sem o lençol, que puxo muito devagar para baixo, repito a tortura com desesperadas vontades de te trincar, num gesto que chego a ensaiar e que tu adivinhas, e todo o teu corpo se contrai de antecipação, desprendes um arrepio quando desço dos teus ombros pelas costas, e tu continuas contraída nas ameaças veladas nas palavras e no toque da minha respiração no teu corpo, ameaço-te as ancas onde elas começam a anunciar o princípio da forma redonda de um rabo perfeitamente hirto e contraído e arrepiado ... eis-me de novo nas coxas, que desço, em contínua exalação quente, de novo ali estão os pés, onde antevejo já as cócegas antes de lá chegar mesmo.
Voltas-te, eu pedi-te. Beijo-te os pés. Beijos húmidos e quentes de uma boca que já baba na contemplação de todo o teu corpo em perspectiva longínqua e longitudinal, babo na reclamação do sabor das tuas pernas, demoradamente perco-me em dois joelhos que encontro no caminho que vai até ao interior das coxas lavadas em movimentos exageradamente lentos e suaves de língua, lenta e gradualmente subindo em virilhas que transpiram paladares e odores em que me deleito e delicio e cujo toque te faz tremer as pernas e o teu respirar salta e murmuras algo que não consegues guardar nem pronunciar direito e aí olho para cima e perco-me outra vez a comtemplar-te, só por um bocadinho, sinto o teu cheiro, forte, inalo-o vezes muitas como se disso dependesse a minha própria sobrevivência, e faço-te maldades maliciosas com o nariz antes de te abocanhar os lábios, mordisco-os, sorvo o teu mel, sugando, lambendo, devagar, com vagar, sentindo na ponta da língua ou nos dedos das mãos o movimento que o teu corpo começa a imprimir e a tua voz que não escondes nem a tua cabeça, que parece perdida de um lado para o outro e os teus dedos que chupas sem perceberes o que fazes, eu insisto e insisto e sorvo o teu meloso néctar e arrasto a língua e mordo-te os lábios e chupo-os quase a magoar e as minhas mãos perdidas estão algures em ti e tu quase deixas escapar um grito que eu calo com a minha mão na tua boca e insisto em ti e sinto que oscilas vacilas tremes e gritas murmúrios sem se perceber o que dizes, que eu não pare e eu, impedido de falar o que quer que seja continuo sempre mesmo para lá de já sentir o teu mel quente na minha língua que me faz quase babar de satisfação e até tu parares o movimento e descontraíres os músculos e eu, não desisto e aperto-te ainda mais contra a minha boca e sorvo o resto do suco de ti e já babado e transpirado que percorro a tua barriga deliciosamente forrada de gotas de transpiração, e mordisco a tua anca, ora de um lado, ora de outro, e subo às arredondadas e sumarentas formas dos teus pêssegos peitos, que exploro com a minha boca e língua e subo ao colo à dobra das axilas que me deixa tonto e ao pescoço que quase deixo marcado até às orelhas.
Por momentos parece que paro, só para ver a expressão do teu rosto e dos teus olhos. Beijo-os (olhos), as maçãs do rosto e, ao mesmo tempo que reencontro os teus lábios e língua sôfrega, os teus dedos cravam-se em mim e quase nos magoamos com a força com que cada um de nós quase num movimento combinado nos apertamos um ao outro num abraço de múltiplos membros, braços e pernas, que parecem emaranhados e mãos que enterram dedos na carne, como que derretidos numa única massa homogénea e respiração que acelera, coração que dispara em potente bombear, e movimentado ritmo de reencontro em que somos quase um só, e um para o outro, em crescendo.
...
Os nossos corpos amalgamados um no outro, já numa acelerada desaceleração, extravasam os fluídos melosos e o peganhento suor transpirado. Cobrimo-nos com a roupa da cama para nos mantermos quentes pelos momentos intermináveis que se seguem em que não nos mexemos, não saímos dali, enrolados que estamos um no outro, um dentro do outro, caras afastadas para os nossos olhares se fixarem não perdendo pitada de sorrisos nas bocas, pequenos beijos, mãos na cara afastando cabelos, limpando gotas de suor, tateando os lábios, ali ficamos agarrados a um momento temporal parado, imóvel, que parece perpetuo, que parece perfeito e em que tudo mais deixou de existir, à volta deste quadro existe para nós nada mais que o vazio, para lá dos dois corpos fundidos num só, não existe o resto, e o momento é perpetuo, interminável, que ousamos prolongar, até à exaustão física dos corpos.
Melhor que isto, não sei exista.
Pedi-te, fomo-nos refrescar, desajeitados e aos tropeções no quase breu que as poucas velas aromáticas ainda acesas espalhadas pelo quarto iluminavam. O banho foi feito de mútuos gestos de toques sublimes de movimentos lentos e quando nos secamos, e nos deitamos, entrelaçados de corpos e mãos, beijamo-nos ao de leve e em suspiro mútuo acabamos por adormecer.
Não sei se existe perfeição, não o quero saber, mas ali ficamos a dormir sem preocupações do que seria o momento seguinte, o dia seguinte, mesmo porque a noite mal tinha começado e  muito haveria mais que partilhar.
Adormecemos com a promessa feita por ambos de que o primeiro a acordar torturaria o que estivesse a dormir.
E assim foi, não me lembro quantas vezes, nem quem começou primeiro ou da vez a seguir, não importa.
Já ia claro o dia, quando a exaustão nos cobrou o preço a pagar pelo contínuo deste partilhado prazer.



...



Oito dias depois, por denuncia dos vizinhos, a polícia deu com os cadáveres, já magrinhos, chupadinhos, destes dois amantes.
A autópsia revelou que a causa da morte tinha sido exaustão por overdose de endorfinas.