sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

gelo

«esquece tudo

pensa em gelo

imagina que estás quase sem roupa,

deitada num glaciar

supõe que estás com um minusculo bikini

nadas num lago de águas límpidas e azuis

um lago dentro de um enorme icebergue

um icebergue à deriva no Mar do Norte

estamos no Inverno

enquanto a tua mente gela o teu corpo para lá da temperatura de congelação...

beijo-te os pés

percorro-te o corpo com lábios incompreensívelmente quentes neste cenário dantescamente "anti-infernal"

esfrego todo o meu corpo contra toda a superfície do teu

passas do gelada ao fervente

a água borbulha já

o icebergue já não existe

tu toda ferves

derretes

em mel... »

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

vazio silêncio




Não sabia o que fazer e no silêncio vazio do quarto de hóspedes e no escuro do sono que teimava em não vir e no tormento de um calor que emanava da cama e das paredes e do tecto e do seu próprio corpo e do ar que o tocava decidiu-se tomar um banho que tinha adiado.

Deitado na banheira, sob um chuveiro de água não gelada e não quente, conseguiu sentir a temperatura do corpo baixar descer e acalmar. Deixou-se por ali ficar uns instantes, tentando não adormecer.
Foi quando se preparava para sair, já quase não aguentava o corpo gelado, que sentiu no seu teimosamente rubro membro o toque húmido e quente de dois carnudos lábios.
Arregalou os olhos, quis sair dali, não lhe pareceu próprio mas afinal…   eram ambos maduros o suficiente para perceber que o lascivo desejo da carne não se explica apenas se fustiga enquanto nos consome com a força convicta em extremar o sentir nas sinapses do cérebro.
Amaram-se ali, sob aquela chuva quase fria quase quente que continuava  a cair, com a violência do desejo reprimido e no silêncio das palavras só se ouviram os gritos mudos da respiração e o trovejar do ritmo cardíaco aos trambolhões no peito de cada um.
Recompuseram a respiração e secaram-se, como se fossem amantes de longa data e soubessem os meandros do corpo um do outro já de cor e salteado, na intimidade cimentada em confiança antiga, de muito tempo já, mas não o eram.
Deitaram-se na cama grande, no quarto dele, em concha de antítese fumegante,  dois corpos frescos mas, ao mesmo tempo, ao rubro.
Acordaram de manhã, com a filha mais pequerrucha a pedir para ir à casa de banho e a reclamar da fome que lhe invadia o estômago.
Ela aproveitou e … saiu pouco depois de casa, um pouco embaraçada, e sem nada dizer.

À noite quando regressou, de olhos caídos como um cachorrinho, já os miúdos dormiam. Ele pegou-lhe na mão e levou-a a sentar no sofá da sala.

“Não precisas de dizer nada. Não te levo a mal teres saído de manhã sem nada me dizeres. Compreendo que não é fácil, os filhos são meus, e esta é a minha vida. Podes entrar nela por completo ou apenas apareceres sempre que te apetecer. O que for será. Não procuro ninguém à parte de momentos em que possa fazer alguém sentir-se bem e que eu possa reencontrar-me aí também, algum bocadinho para mim próprio.
Não tens de fazer parte da minha vida, e eu, tenho esta vida, não tenho outra, e gostava de continuar a partilhar contigo, ainda que só estes momentos, de longe a longe, mas bons e intensos, delirantemente deliciosos.
Entras quando quiseres, sais quando te apetecer, não sou teu nem tu és minha mas, ao mesmo tempo, somos sempre um do outro.”

Ela calou-o com um beijo e o sofá ficou uma lástima pela desarrumação e pelo cheiro a transpiração dos seus corpos.


Volta e meia, de quando em vez, reencontram-se sempre, como se o tempo entre o momento anterior e o de agora, não tivesse existido.
 



segunda-feira, 21 de outubro de 2013

elasticar o tempo






Foi durante a reunião semanal que tudo começou, mal terminou a sua intervenção seguiu-se um longo período do mais absoluto tédio em que, fez um pouco de tudo para se manter com ar de quem estava atento e assertivo ao que por lá se dizia. Sobretudo ao chefe que, volta não volta, olhava-o com o olhar reprovador de sempre como se pudesse adivinhar o que quer que fosse que lhe ia na mente.  E ainda bem que não conseguia, ler as mentes, de outra forma ia descobrir que ele, mas também todos os outros, estavam fora dali, em outros locais que não a reunião.

Naquele dia, como em tantos outros a sua mente viajou até casa, no pensar o que estaria a fazer se por lá estivesse, sucedendo-se as imagens na sua cabeça numa mistura flashante de imagens passadas com imagens do que queria que viesse a acontecer. Misturando-se o real com o imaginado no écran projectado na sua mente.

Ficou excitado, um pouco mais até do que já tinha andado durante o dia, ainda para mais com a perspectiva, cada vez mais próxima, de chegar a casa.





Quando chegou, ainda a pingar pela chuva miúdinha que o tinha apanhado no caminho, ficou quase zonzo quando abriu a porta e sentiu uma lufada de ar quente carregada de um aroma enebriante a bolo de caramelo e chocolate a cozer no forno, que lhe assaltou as narinas, subindo-lhe ao cérebro, descendo às papilas gustativas, onde lhe projectou o paladar do bolo ainda quente e o caramelo a escorrer-lhe pelo meio da massa de chocolate. Derretido em salivar antecipatório, e sem fazer som que se ouvisse, espreitou para dentro da cozinha e vê-a totalmente alheia a ele, alambuzando-se com os restos da massa do bolo que, lenta e meticulosamente ia limpando da taça com o dedo, levando-o à boca, degustando cada bocadinho, arrastando o dedo pela língua e pelos lábios sensuais que apertava em sugar prazeiroso.

Chegou-se a ela e, nas costas, mesmo na base do seu delgado e dengoso pescoço, colocou-lhe um beijo de lábios carnudos, quentes por dentro, mas frios e húmidos ao toque pela chuva gelada que lhe escorria da cara.

Encolheu-se toda num arrepio enervante em contraste com o prazer guloso que estava a sentir.

Rodou para trás e entre a surpresa do arrepio e a certeza de que ele estava ali, olhou para o seu peito, de mamilos graníticamente hirtos quase a rasgar a camisola, depois olhou para ele e disse: Estás a ver o que fizeste? Achas bem?

Ele não falou. Baixou-se um pouco e só os seus olhos falaram, olhando de baixo para cima, qual cachorrinho que pelo tom da voz do dono sabe ter feito asneira. Não tirou os olhos dos olhos dela, derretidos mais, pelo que sabia se ia passar a seguir.

A boca dele encontrou a dela, o calor húmido da sua língua doce fez esquecer o frio lá fora e depressa as suas roupas encontraram o chão e o frio que trazia se fez calor no toque dos gestos e dos corpos por entre a música tocada em sons quase inaudíveis de murmúrios suspirados.

A cozinha era afinal o local onde se satisfaziam tantas vezes dos prazeres da gula, do estômago e do corpo, onde a fome e a vontade ditavam:  na mesa, no balcão, no enorme cadeirão de verga forrado de almofadas macias ou, tantas vezes, no chão, numa manta, na tijoleira...



Ao toque feito de dedos, mãos, e beijos intensos, as carícias acendem-se mais, na busca de despertar o prazer de um do outro e de si próprio e, deu por si já de costas enterradas no chão, ela em cima subindo e descendo em mútuo prazer, lento, vagarosamente lento e ...



TRRRIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...



... o som irritante da realidade alcançou os seus sentidos mas, não deixaram de se manter concentrados, ele arrasta-se um pouco para próximo do forno e, ela, sem perder o sentido nem o ritmo, apertou-o com as coxas, calçou as luvas, experimentou o bolo com um palito.

Já está!, disse com um sorriso, enquanto tirou o bolo para fora e desligou o fogão.

Não abrandaram, nem o aperto, das coxas e braços e mãos até que ambos soltam dali a pouco uma espécie de um grito profundo quando sentem em fluídos de quentes arrepios o sinal do clímax atingido, em uníssono, quase.



Enrolados um no outro, sem querer saber de mais nada, ela adormeceu com a cabeça no peito dele, cobertos pela manta em olhares e beijos molhados e sorrisos sem som. Deixaram-se ali estar mais um pouco, sem preocupações. Era tempo de prolongar o tempo e esse tempo não se conta, não se vê, só se sente.



Ela despertou com o aroma do bolo ainda quente que ele, já deitado ao seu lado, no chão, tinha desenformado e cortado em algumas generosas fatias. Saborearam mais aquele deleite, quase babaram, em continuados gestos de carinho, de migalhas de bolo roubadas em boca alheia, beijos e carícias no rosto, no cabelo e ...

Dali a nada, sem trocar palavra, sentiram que o tempo estava, de novo, a esticar-se sobre si mesmo e repetiram os gestos nunca iguais do sentir, levaram-se mutuamente ao clímax naquele chão de cozinha frio.



Dormiram como todas as noites, juntos, quase como se de um corpo só se tratasse, adormecendo só depois de um delicado beijo de boas noites.







A elasticidade moldável do tempo
É a capacidade de aumentar ou
Diminuir a dimensão relativa
Do tempo no sentir, fazendo com
Que a mente tenha a plena certeza que
Um dia possa demorar
Alguns segundos,
Ou em sentido inverso,
Um minuto,
possa demorar uma
eternidade.



sábado, 7 de setembro de 2013

the stalker







Ele passou-se.
A última mensagem tinha sido de uma atrocidade gritante, grotescamente gritante. Já não conseguia fazer mais nada. Tentou arrastar-se até ao final do dia, que não dessem por ele, já que a sua concentração estava a duzentos e muitos por cento completamente fora dali.
Ela insistia com mensagens insinuosas, imagens inebriantes, gravações de gemidos, e ele já não conseguia fazer mais nada.
Há três meses e um dia que ele estava debaixo de fogo cerrado e não sabia mais o que fazer.
No dia seguinte prosseguiu o suplício e, quando desligou o telemóvel ela passou a ligar-lhe para o trabalho. Fingiu-se passar por alguém muito aflito e a precisar de falar com ele por causa de um problema de saúde, cada vez que a secretária lhe passava a chamada ela, invariavelmente fazia ouvir o seu respirar ofegante. Deu ordem para que não lhe passar mais chamadas. Fosse quem fosse que deixasse recado. Nesse dia a martirizada da secretária anotou 72 recados iguais. Já não a podia ouvir.
No dia que se lhe seguiu, apercebeu-se que algo tinha mudado, não havia chamadas, nem mensagens, não lhe ligava para o trabalho, um silêncio total a zumbir-lhe nos ouvidos.
Foi até pior que o dia anterior, não se conseguia concentrar mesmo!
No outro dia após esse, silêncio. De novo silêncio, mas este ainda mais ensurdecedor.
À hora do almoço, na sombra da esplanada do café, alguém se aproxima dele enquanto ele levava à boca uma colher de sopa de ervilhas e pergunta: Posso-me sentar aqui?
Reconheceu-lhe a voz. Só assim se explica porque se engasgou e sujou a gravata e manga da camisa e pintalgou as calças e sujou tudo à volta do prato.
Era ela.
Estava ali mesmo ao lado em pessoa e não do outro lado do telemóvel ou do outro extremo da caixa de e-mail, ou no chat. Era bem feito para quem punha a vida toda online e se punha a partilhar contactos pessoais com pessoas que não conhecia direito.
Não sabia o que fazer, naquele “cagajésimo” de segundo em que ela se sentou, tudo lhe passou à frente.

Tudo se lhe passou à frente da cabeça à laia de ideias do que fazer. Levantou-se, arrastando-a pelo braço e ralhou-lhe, anda daí! Ela não ofereceu resistência. Ele acenou à empregada da esplanada que pagava depois. Pediu desculpa.

Sentaram-se num banco de jardim, precisamente aquele que nunca tinha ninguém, pois ficava quase em cima do ecoponto e o cheiro era, na maior parte das vezes indescritível. Hoje por acaso não.
-- Quando é que paras com a perseguição, não vês que eu não quero nada contigo? Já chega! Vê lá se te atinges, ou queres que faça queixa à polícia?
-- Sempre gostava de ver.
-- Não achas que tenho razões de sobra para fazer queixa à polícia?
-- Não disse isso. Sempre gostava de te ver a explicar isso à mulherzinha.
Ele olhou-a com o seu olhar de raio laser...
-- Que é que tu me queres afinal?
-- Magoaste-me há um bocado. Acho que me pisaste o braço.
-- Vais directa ao assunto ou quê?
-- O que eu quero? Tu sabes bem que eu quero, foste tu aliás que o sugeriu e mais, moeste-me o juízo com tanta insinuação que até me senti qual ferro em brasa, ainda me sinto... Não te pedi mais nada que o teu corpo, não quero mais nada de ti, podemos nunca ser amigos nem nos encontrarmos mais vez nenhuma, mas pelo menos ficamos a saber.
-- hmmmpf (grunhiu)
-- Achas que tenho algum prazer em te perseguir?  Pensei que já tinhas percebido que nem sou disso. Realmente, agora que penso, prestei-me a um papel... que figurinha. A tua secretária deve mesmo pensar que sou maluquinha. Como é, não dizes nada?

Entre o grunhido anterior e o seguinte ele reviu todo o início da história toda até ali, conheceram-se num fórum de cinéfilos e começaram a trocar mensagens privadas sobre os seus gostos particulares, depois o chat, na conversa deles falavam de tudo, ela solteira, ele casado, ambos solitários. A conversa esgotou-se no cinema e em todos os outros temas até que se enterraram no sexo.
Atingiu proporções insuportáveis pela ausência do contacto físico, que ele justificava no casamento e na distância, ambos sabiam que era mentira, ele negava mas era “indisfarçável“ que andava a comer a secretária do administrador e uma cliente em Caminha e outra em Bragança.
Ela farta das promessas e desculpas dele decidiu-se confrontá-lo e, custasse o que custasse, saltar-lhe para cima, nem que fosse uma só vez, estava a dar com ela em doida.
Ele depois de grunhir mais um bocado, acalmou-a e no decorrer da conversa assegurou-lhe que não passava de hoje. Ela montou guarda no hall de entrada do edifício de escritórios onde trabalhava e ele ligou para o chefe e para casa, com e desculpas várias e compromissos acontecidos de repente inadiáveis ... Em casa foi mais fácil, já que não era a primeira vez que acontecia.

Ele apanhou-a mais à frente com o carro, discretamente, e seguiu para um motel nos arredores.

O quarto do motel era pequeno, tinha ar de pouco limpo e mal iluminado.
Logo que o que se passou a seguir foi uma mistela de coisas agradáveis e, aqui e ali, nem por isso, havia sempre um ou outro cheiro do local que os desconcentrava.
Ele comprovou e provou na pele e nas entranhas as promessas e insinuações por ele feitas, mas ele também teve, sobretudo na flexibilidade dela algumas surpresas de monta. Ficaram ambos agradavelmente surpreendidos...

Ele saiu da casa de banho e ela estava a teclar algo no telemóvel. Uma mensagem para a minha mãe, para que não fique ela apreensiva com o meu silêncio. Afinal não lhe disse onde vinha.
Agora é a minha vez, disse ela, vestindo umas peças de látex que tirou de um bolso lateral do casaco grosso que trazia.
Ele mostrou-se firmemente agradado e disponível para entrar no jogo.
Ela amarrou-o para o passo seguinte. Enquanto o amarrava recordou com agrado o tempo passado nos escuteiros a aprender nós e costuras feitas com os mais diferentes fios e cordas de sisal.
Sentou-se em cima dele com vigor, e colocou-lhe uma venda.
Primeiro chupou-o com convicção, afinal ela sempre gostava disso, tinha-lho confessado. Depois de o sentir deliciosamente duro e molhado na sua boca, montou-o como se ele fosse um cavalo de corrida, gemendo e gritando e esgadanhando-o a cada movimento pélvico.
Despediu-se dele com um orgasmo sem esperar que ele se viesse saiu.

...

Ele ficou ali preso. E não chegou a perceber o que tinha acontecido. Na realidade o que se sucedeu a isto foi um camião cheio de problemas. O carro apareceu estampado numa valeta qualquer, onde parou a mais de cem quilómetros dali, quando já não tinha gasolina, e depois de levar à frente o portão do motel.
Ela nunca mais o procurou e ele, desesperou sem saber mais nada dela.
Ele nunca mais usou a internet que não fosse para o trabalho, e mesmo assim delegava tudo o que podia na secretária.
Não perdeu o emprego, não por qualquer capricho da sorte mas antes porque a ex-mulher fez disso questão, mesmo até porque precisava de quem lhe pagasse as contas.
Morreu sozinho.