sábado, 7 de setembro de 2013

the stalker







Ele passou-se.
A última mensagem tinha sido de uma atrocidade gritante, grotescamente gritante. Já não conseguia fazer mais nada. Tentou arrastar-se até ao final do dia, que não dessem por ele, já que a sua concentração estava a duzentos e muitos por cento completamente fora dali.
Ela insistia com mensagens insinuosas, imagens inebriantes, gravações de gemidos, e ele já não conseguia fazer mais nada.
Há três meses e um dia que ele estava debaixo de fogo cerrado e não sabia mais o que fazer.
No dia seguinte prosseguiu o suplício e, quando desligou o telemóvel ela passou a ligar-lhe para o trabalho. Fingiu-se passar por alguém muito aflito e a precisar de falar com ele por causa de um problema de saúde, cada vez que a secretária lhe passava a chamada ela, invariavelmente fazia ouvir o seu respirar ofegante. Deu ordem para que não lhe passar mais chamadas. Fosse quem fosse que deixasse recado. Nesse dia a martirizada da secretária anotou 72 recados iguais. Já não a podia ouvir.
No dia que se lhe seguiu, apercebeu-se que algo tinha mudado, não havia chamadas, nem mensagens, não lhe ligava para o trabalho, um silêncio total a zumbir-lhe nos ouvidos.
Foi até pior que o dia anterior, não se conseguia concentrar mesmo!
No outro dia após esse, silêncio. De novo silêncio, mas este ainda mais ensurdecedor.
À hora do almoço, na sombra da esplanada do café, alguém se aproxima dele enquanto ele levava à boca uma colher de sopa de ervilhas e pergunta: Posso-me sentar aqui?
Reconheceu-lhe a voz. Só assim se explica porque se engasgou e sujou a gravata e manga da camisa e pintalgou as calças e sujou tudo à volta do prato.
Era ela.
Estava ali mesmo ao lado em pessoa e não do outro lado do telemóvel ou do outro extremo da caixa de e-mail, ou no chat. Era bem feito para quem punha a vida toda online e se punha a partilhar contactos pessoais com pessoas que não conhecia direito.
Não sabia o que fazer, naquele “cagajésimo” de segundo em que ela se sentou, tudo lhe passou à frente.

Tudo se lhe passou à frente da cabeça à laia de ideias do que fazer. Levantou-se, arrastando-a pelo braço e ralhou-lhe, anda daí! Ela não ofereceu resistência. Ele acenou à empregada da esplanada que pagava depois. Pediu desculpa.

Sentaram-se num banco de jardim, precisamente aquele que nunca tinha ninguém, pois ficava quase em cima do ecoponto e o cheiro era, na maior parte das vezes indescritível. Hoje por acaso não.
-- Quando é que paras com a perseguição, não vês que eu não quero nada contigo? Já chega! Vê lá se te atinges, ou queres que faça queixa à polícia?
-- Sempre gostava de ver.
-- Não achas que tenho razões de sobra para fazer queixa à polícia?
-- Não disse isso. Sempre gostava de te ver a explicar isso à mulherzinha.
Ele olhou-a com o seu olhar de raio laser...
-- Que é que tu me queres afinal?
-- Magoaste-me há um bocado. Acho que me pisaste o braço.
-- Vais directa ao assunto ou quê?
-- O que eu quero? Tu sabes bem que eu quero, foste tu aliás que o sugeriu e mais, moeste-me o juízo com tanta insinuação que até me senti qual ferro em brasa, ainda me sinto... Não te pedi mais nada que o teu corpo, não quero mais nada de ti, podemos nunca ser amigos nem nos encontrarmos mais vez nenhuma, mas pelo menos ficamos a saber.
-- hmmmpf (grunhiu)
-- Achas que tenho algum prazer em te perseguir?  Pensei que já tinhas percebido que nem sou disso. Realmente, agora que penso, prestei-me a um papel... que figurinha. A tua secretária deve mesmo pensar que sou maluquinha. Como é, não dizes nada?

Entre o grunhido anterior e o seguinte ele reviu todo o início da história toda até ali, conheceram-se num fórum de cinéfilos e começaram a trocar mensagens privadas sobre os seus gostos particulares, depois o chat, na conversa deles falavam de tudo, ela solteira, ele casado, ambos solitários. A conversa esgotou-se no cinema e em todos os outros temas até que se enterraram no sexo.
Atingiu proporções insuportáveis pela ausência do contacto físico, que ele justificava no casamento e na distância, ambos sabiam que era mentira, ele negava mas era “indisfarçável“ que andava a comer a secretária do administrador e uma cliente em Caminha e outra em Bragança.
Ela farta das promessas e desculpas dele decidiu-se confrontá-lo e, custasse o que custasse, saltar-lhe para cima, nem que fosse uma só vez, estava a dar com ela em doida.
Ele depois de grunhir mais um bocado, acalmou-a e no decorrer da conversa assegurou-lhe que não passava de hoje. Ela montou guarda no hall de entrada do edifício de escritórios onde trabalhava e ele ligou para o chefe e para casa, com e desculpas várias e compromissos acontecidos de repente inadiáveis ... Em casa foi mais fácil, já que não era a primeira vez que acontecia.

Ele apanhou-a mais à frente com o carro, discretamente, e seguiu para um motel nos arredores.

O quarto do motel era pequeno, tinha ar de pouco limpo e mal iluminado.
Logo que o que se passou a seguir foi uma mistela de coisas agradáveis e, aqui e ali, nem por isso, havia sempre um ou outro cheiro do local que os desconcentrava.
Ele comprovou e provou na pele e nas entranhas as promessas e insinuações por ele feitas, mas ele também teve, sobretudo na flexibilidade dela algumas surpresas de monta. Ficaram ambos agradavelmente surpreendidos...

Ele saiu da casa de banho e ela estava a teclar algo no telemóvel. Uma mensagem para a minha mãe, para que não fique ela apreensiva com o meu silêncio. Afinal não lhe disse onde vinha.
Agora é a minha vez, disse ela, vestindo umas peças de látex que tirou de um bolso lateral do casaco grosso que trazia.
Ele mostrou-se firmemente agradado e disponível para entrar no jogo.
Ela amarrou-o para o passo seguinte. Enquanto o amarrava recordou com agrado o tempo passado nos escuteiros a aprender nós e costuras feitas com os mais diferentes fios e cordas de sisal.
Sentou-se em cima dele com vigor, e colocou-lhe uma venda.
Primeiro chupou-o com convicção, afinal ela sempre gostava disso, tinha-lho confessado. Depois de o sentir deliciosamente duro e molhado na sua boca, montou-o como se ele fosse um cavalo de corrida, gemendo e gritando e esgadanhando-o a cada movimento pélvico.
Despediu-se dele com um orgasmo sem esperar que ele se viesse saiu.

...

Ele ficou ali preso. E não chegou a perceber o que tinha acontecido. Na realidade o que se sucedeu a isto foi um camião cheio de problemas. O carro apareceu estampado numa valeta qualquer, onde parou a mais de cem quilómetros dali, quando já não tinha gasolina, e depois de levar à frente o portão do motel.
Ela nunca mais o procurou e ele, desesperou sem saber mais nada dela.
Ele nunca mais usou a internet que não fosse para o trabalho, e mesmo assim delegava tudo o que podia na secretária.
Não perdeu o emprego, não por qualquer capricho da sorte mas antes porque a ex-mulher fez disso questão, mesmo até porque precisava de quem lhe pagasse as contas.
Morreu sozinho.