terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A Leste



A rapariga bateu à porta a medo.
Era a primeira vez e confessou para si própria que estava um bocado apreensiva.
Quase não falava inglês mas isso pouco importa num negócio em que a melhor palavra é o silêncio, ou pelo menos o silêncio das palavras. Em verdade, tinha estado com muitos homens, apesar da sua tenra idade, mas nenhum estrangeiro, sentia-se mais apreensiva por isso. Pensava de si para si que pouco ou nada variava, os homens com quem tinha estado pouca conversa lhe tinham dado, o que eles queriam era mais dar ordens, umas arrancadelas de cabelo, beliscadelas de toda a ordem e umas valentes bofetadas no rabo, se tivesse sorte, mas a realidade era pior.
Apesar de tudo o mais difícil era chegar a casa forrada a hematomas e contusões, e ter de explicar mais uma vez aos pais porque passava a vida a cair. Era desastrada, uma desculpa comum a tantas outras moças independentemente de que parte do globo estamos a falar.
Ouviu mexer no fecho, inspirou fundo e a porta abriu-se.

Este homem parecia-lhe diferente. Qualquer coisa no olhar.
Sem perceber o que ele disse (ele convidou-a a entrar) ela deslizou para dentro. Ele fechou a porta atrás de si, sem a trancar.
Convidou-a a sentar na chaise longue vermelha. Ela sentou-se, cruzando as pernas de forma provocadora e perguntou, apontando para o varão iluminado com uma luz negra,
-- Do you want me to dance for you?
-- If you wish.
Ela dançou, subindo e descendo o varão, sempre de olhos a fitar os dele, dançou até ficar apenas de lingerie, corpete, tanga e meias pretas, tudo com fitas carmesim.
Ele esticou o braço chamando-a e fê-la sentar. Foi-lhe buscar um roupão de banho e, sobre o olhar perplexo da rapariga, colocou-lho nas costas, cobrindo-a como se estivesse com frio.
Ela debruçou-se sobre ele com olhar lascivo com ganas de o querer possuir de imediato. Ele voltou a cobri-la e exclama,
-- Please don’t.
-- Sorry?
-- Let me explain. Not that I don’t want to have you right here, right now, you’re astoundingly beautiful, you have a firm and well shaped body and, believe me when I say I’m having quite a trouble controlling the strong hard on I’m having right now. But, understand this, I’ve never had sex with nobody that didn’t wanted to have sex with me, never forced anybody to have sex, never been to a wore house. I would feel uncomfortable having sex with you like this. I’ve been here on business quite a few times, and Alexey is always kind in sending girls to my room, and unfortunately for me, I’ve had sex with them but it’s always uncomfortable. So I see you at the door, you look so innocent, so young, I hope you’re not underage … (ela sacudiu a cabeça negativamente), thus I’m not feeling well even before we touch. Do you understand this, does this make any sense to you?
-- Da. Yes but we could have sex any way. I’m sure I’ll make you have lots of pleasure.
-- Please do not be offended but no, I think that I rather not. You see, I even paid hookers to have sex with me quite a few times, but never felt too comfortable, sometimes not had pleasure at all. After a while I’ve never had to pay for sex, I always found a friend or a girlfriend or ex-girlfriend, with whom I had some kind of affective relation, and the sex made some sense to me. It has to make sense otherwise I don’t feel pleasure. I hope you can understand this. This is nothing to do with you. You’ll find something in the left pocket of the robe, I must be honest with you, this is for you, think of it as a payment for your silence. Be sure I won’t say anything to Alexey.
Perguntou-lhe o nome dela, o nome a sério, o que fazia, quantos anos tinha, como era a vida dela, como era viver naquele país. Com o passar do tempo, a rapariga acabou por se aperceber que não só o seu inglês não era mau como pensou, como aquele era um homem diferente. Falaram durante horas da vida de cada um, compararam a vida dela e a dele, as diferenças que derivam da cultura, da educação, da religião, dos seus sonhos e do contraste com a realidade. Os hábitos mais diversos, desde a alimentação, vestuário, as festas e tradições, aos hábitos da cama. Falaram de filmes, de música, de livros, daquilo que cada um gostava de fazer.
Sem se darem conta tinham estado prácticamente toda a noite a conversar, era já noite densa e estavam ambos cansados.
Ele quase adormeceu, e ela ajudou-o a subir para a cama.
Ele adormeceu.
Ela acabou por adormecer, agarrada a ele.

Um pouco antes das seis da manhã ele deu por ela a chorar.
Explicou-lhe que se não houvesse vestígios de ter sido penetrada por certo iria ser entregue aos cuidados do Vlad, um dos capangas dos Alexey, que lhe iria penetrar não só todos os orifícios que tinha no corpo, como também outros novos, mais ainda, ia enchê-la de porrada o que, no mínimo implicaria mais uns dentes partidos e mais umas costelas metidas dentro.
O ar de pânico e puro desespero dela deixou-o profundamente perturbado.
Não sabia o que fazer.
Prolongou-se aquele momento angustiante durante algum tempo até que ela, no meio do choro viu que ele a olhava de forma diferente.
Ele limpou-lhe o rosto e tentava sossega-la com beijos carinhosos na cara.
Aperceberam-se que estavam mais próximos um do outro, os beijos dele, o toque das mãos, o encostar do rosto, a boca de um perto da boca do outro, a respiração sobreposta, o olhar quase íris com íris.
Ele beijou-a ao de leve nos lábios, segurando-lhe no rosto com ambas as mãos. Ela beijou-o à francesa agarrando-o com toda a força que tinha.
Ele beijou-lhe os ombros, agora descobertos do roupão que tinha deslizado, e da roupa da cama descida. Beijou-lhe o colo.
Ela desceu em beijos molhados, tirou-lhe os shorts, com calma, não tinha pressa.
Abocanhou-lhe o membro e levou-o ao rubro, pondo-o suficientemente duro e molhado antes de o enterrar em si, sentada em cima dele na cama.
Sem se manifestar fê-lo vir várias e repetidas vezes, entusiasmando-o …

O carrilhão da sé batia forte o que ela explicou serem onze horas da manhã.
Agarrados, nus, pareciam dois caracóis melados e entrelaçados um no outro depois do sexo.

Acabaram por se rir daquilo tudo.
Ela explicou-lhe que as marcas ainda não eram suficientes, porque não mostravam violência, e ele então esfregou-se contra ela de uma forma para ele até desconfortável, marcando com a barba as coxas e virilhas. Guiado pelas mãos dela deu-lhe alguns apertões e palmadas que ficaram marcadas nas nádegas. Chupou-lhe os lábios com quanta força tinha.

O olhar de ambos tinha definitivamente mudado.
Tomaram banho juntos e vestiram-se, ele só o roupão.
A porta abriu-se e ela saiu. Voltou atrás e beijou-o na boca. Ele, antes de ela se esgueirar pelo corredor a diante, dá-lhe uma palmada e um apertão no rabo.
O matulão à porta perguntou com um ar bruto e num sotaque indiscritível: Good?
Ele respondeu: Fantastic! Fantastic! What a fuck!

Ela já deixou se prostituir, a dívida dos pais ao Alexey foi se saldando com o passar dos anos. Ela é agora livre, tem um emprego banal.
Ainda assim, sempre que ele voltava, a rapariga esperava-o e acompanhava-o todo o dia e toda a noite, para onde quer que fosse e o que quer que fizesse.

Ainda hoje são amigos, e ás vezes pintam a amizade com outros tons, os do arco-íris (e não só).

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Black&White

Pensava para si próprio, quem somos nós para julgar os outros pela aparência? Ninguém, é certo, mas porém admitia que não faziamos nós outra coisa que não fosse julgar, avaliar, decidir, opinar a cada passo, quando olhamos ou observamos as pessoas quando nos cruzamos e entrecruzamos na rua, nos transportes públicos, ou quando lhes cedemos a passagem do conforto do nosso carro. Pensava nisto enquanto recordava um casal, que tinha visto há poucos dias, num jardim público, enquanto passeava pela cidade, um casal interessante, e do qual apenas teve pena de não lhe ter tirado uma fotografia, ainda que subrepticiamente e, por certo, tremida, e desfocada.

Sentados num banco de jardim estava então um casal.
Ela era gordinha, na realidade era uma bola, ainda que, como bola, não fosse muito grande. Loira natural e branca. Fumava um cigarro encostada a ele.
Ele, negro, retinto como a noite escura, mais musculado do que magro, mãos duras e magras de aparência.
Ambos bem juntinhos de braço dado e mãos entrelaçadas uma na outra, à conversa, olhando em frente, para parte nenhuma.
Era estereotipada a forma com que ele os olhava, concluindo que ele teria uma tara por gordinhas de pele branca, um fectiche para ele, e seria por certo ela uma fetichista por negros de ébano feitos e membro desporporcionado, para a sua raça, não a dele.

O observador era branco, e por isso a sua observação estava condicionada à inveja com que os brancos invejam sempre a forma e a dimensão com que supõe todos os negros virem equipados de origem.
Ao passar e observar aquele quadro, a sua mente perversa, que possuia um chip integrado que acrescentava laivos de pornografia em tudo o que via, por momentos, alguns segundos se tanto, congeminou logo ali um desfiar de visões fantasiosas, quase reais, daqueles dois envoltos em prazeres carnais, imaginando-os amando-se com tal ferocidade e violência que quase a sentiu ele próprio, como se fosse ele um deles ou os dois, tal a força das visões das suas formas e cores contrastantes em movimento. Viu-os nús, sentados naquele mesmo banco de jardim, ela em cima dele, ele afundando os dedos negros nas suas nádegas e costas, gordas e de um branco leitoso, enquanto que se enterrava dentro dela e ela, replicava o seu ritmado movimento pélvico em aparentes espasmos musculares esfregando-se conta ele em acelerando crescendo, apertando-o contra as madeiras do banco, gritando a cada passo e ele com a cara por entre o peito dela, quase sem conseguir respirar, arfando forte e profundo, sufocante.
Lembrou-se de um filme qualquer, hard-core, talvez o tivesse visto em anos que já lá vão, no Sá da Bandeira, ou assim, algures nas trazeiras de uma memória qualquer, recorda-se de uma gaja aos gritos, «Não pares!» Repetia-lhe ela, numa cena de pura violência em que ela forçava o seu corpo contra o dele, em movimento rítimico, que ele se esforçava por acompanhar. Ele visívelmente cansado, esgotado, e aquela cama que tinha que ranger e bater contra a parede, de forma que irritava e desconcentrava (mesmo para a plateia). Os seus corpos já se desfaziam na liquidez quente e húmida dos fluidos que trocavam, e que produziam ruídos melosos, por sentre o seu esforço para chegar ao clímax, talvez os dois, ao mesmo tempo, um pelo outro e em uníssono. A respiração era já um arfar violento e entrecortado de gemidos abafados e os seus dois corpos, misturavam-se em abraços, apertões, mãos cravadas na carne, e ao mesmo tempo de pequenos gestos carinhosos, contrastantes.

Pestanejou e a visão ... dissipou-se.
Já não sabia distinguir qual das imagens era a que viu, a do filme ou a outra. Tão rápidamente quanto tinha aparecido a visão, ou visões, desapareceram, e não se deu mesmo ao trabalho de olhar para trás, para eles, para confirmar o que era afinal real ou irreal. Se calhar com medo, de saber o que era real do irreal, com medo de confirmar que a visão que teve tinha ou não existido, fosse visão ou realidade vista. Confuso.
Seguiu em frente sem ter a certeza, preferiu assim que de outra forma fosse.
Ficou sem saber.