Foi durante a reunião semanal que tudo começou, mal terminou a sua
intervenção seguiu-se um longo período do mais absoluto tédio em que, fez um
pouco de tudo para se manter com ar de quem estava atento e assertivo ao que
por lá se dizia. Sobretudo ao chefe que, volta não volta, olhava-o com o olhar
reprovador de sempre como se pudesse adivinhar o que quer que fosse que lhe ia
na mente. E ainda bem que não conseguia,
ler as mentes, de outra forma ia descobrir que ele, mas também todos os outros,
estavam fora dali, em outros locais que não a reunião.
Naquele dia, como em tantos outros a sua mente viajou até casa, no
pensar o que estaria a fazer se por lá estivesse, sucedendo-se as imagens na
sua cabeça numa mistura flashante de imagens passadas com imagens do que queria
que viesse a acontecer. Misturando-se o real com o imaginado no écran
projectado na sua mente.
Ficou excitado, um pouco mais até do que já tinha andado durante o
dia, ainda para mais com a perspectiva, cada vez mais próxima, de chegar a casa.
Quando chegou, ainda a pingar pela chuva miúdinha que o tinha apanhado
no caminho, ficou quase zonzo quando abriu a porta e sentiu uma lufada de ar
quente carregada de um aroma enebriante a bolo de caramelo e chocolate a cozer
no forno, que lhe assaltou as narinas, subindo-lhe ao cérebro, descendo às
papilas gustativas, onde lhe projectou o paladar do bolo ainda quente e o
caramelo a escorrer-lhe pelo meio da massa de chocolate. Derretido em salivar
antecipatório, e sem fazer som que se ouvisse, espreitou para dentro da cozinha
e vê-a totalmente alheia a ele, alambuzando-se com os restos da massa do bolo
que, lenta e meticulosamente ia limpando da taça com o dedo, levando-o à boca,
degustando cada bocadinho, arrastando o dedo pela língua e pelos lábios
sensuais que apertava em sugar prazeiroso.
Chegou-se a ela e, nas costas, mesmo na base do seu delgado e dengoso
pescoço, colocou-lhe um beijo de lábios carnudos, quentes por dentro, mas frios
e húmidos ao toque pela chuva gelada que lhe escorria da cara.
Encolheu-se toda num arrepio enervante em contraste com o prazer
guloso que estava a sentir.
Rodou para trás e entre a surpresa do arrepio e a certeza de que ele
estava ali, olhou para o seu peito, de mamilos graníticamente hirtos quase a
rasgar a camisola, depois olhou para ele e disse: Estás a ver o que fizeste?
Achas bem?
Ele não falou. Baixou-se um pouco e só os seus olhos falaram, olhando
de baixo para cima, qual cachorrinho que pelo tom da voz do dono sabe ter feito
asneira. Não tirou os olhos dos olhos dela, derretidos mais, pelo que sabia se
ia passar a seguir.
A boca dele encontrou a dela, o calor húmido da sua língua doce fez
esquecer o frio lá fora e depressa as suas roupas encontraram o chão e o frio
que trazia se fez calor no toque dos gestos e dos corpos por entre a música
tocada em sons quase inaudíveis de murmúrios suspirados.
A cozinha era afinal o local onde se satisfaziam tantas vezes dos
prazeres da gula, do estômago e do corpo, onde a fome e a vontade ditavam: na mesa, no balcão, no enorme cadeirão de
verga forrado de almofadas macias ou, tantas vezes, no chão, numa manta, na
tijoleira...
Ao toque feito de dedos, mãos, e beijos intensos, as carícias acendem-se
mais, na busca de despertar o prazer de um do outro e de si próprio e, deu por
si já de costas enterradas no chão, ela em cima subindo e descendo em mútuo
prazer, lento, vagarosamente lento e ...
TRRRIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...
... o som irritante da realidade alcançou os seus sentidos mas, não deixaram de
se manter concentrados, ele arrasta-se um pouco para próximo do forno e, ela,
sem perder o sentido nem o ritmo, apertou-o com as coxas, calçou as luvas,
experimentou o bolo com um palito.
Já está!, disse com um sorriso, enquanto tirou o bolo para fora e
desligou o fogão.
Não abrandaram, nem o aperto, das coxas e braços e mãos até que ambos
soltam dali a pouco uma espécie de um grito profundo quando sentem em fluídos
de quentes arrepios o sinal do clímax atingido, em uníssono, quase.
Enrolados um no outro, sem querer saber de mais nada, ela adormeceu
com a cabeça no peito dele, cobertos pela manta em olhares e beijos molhados e
sorrisos sem som. Deixaram-se ali estar mais um pouco, sem preocupações. Era
tempo de prolongar o tempo e esse tempo não se conta, não se vê, só se sente.
Ela despertou com o aroma do bolo ainda quente que ele, já deitado ao
seu lado, no chão, tinha desenformado e cortado em algumas generosas fatias.
Saborearam mais aquele deleite, quase babaram, em continuados gestos de
carinho, de migalhas de bolo roubadas em boca alheia, beijos e carícias no
rosto, no cabelo e ...
Dali a nada, sem trocar palavra, sentiram que o tempo estava, de novo,
a esticar-se sobre si mesmo e repetiram os gestos nunca iguais do sentir,
levaram-se mutuamente ao clímax naquele chão de cozinha frio.
Dormiram como todas as noites, juntos, quase como se de um corpo só se
tratasse, adormecendo só depois de um delicado beijo de boas noites.
A elasticidade moldável do tempo
É a capacidade de aumentar ou
Diminuir a dimensão relativa
Do tempo no sentir, fazendo com
Que a mente tenha a plena certeza que
Um dia possa demorar
Alguns segundos,
Ou em sentido inverso,
Um minuto,
possa demorar uma
eternidade.