A carrinha pára a meio da rampa , quase à porta. Ele sai para uma
chuva miúda ou um nevoeiro grosso que cobria tudo. Parou com os pés assentes na
relva do jardim e emitiu um prolongado suspiro.
Entrou em casa deixando cair o saco e o blusão no sofá do escritório,
nem as luzes acendeu.
Alguma coisa não estava bem. Estava muito cansado, mas os sentidos
ainda estavam suficientemente despertos para sentir que havia algo diferente,
como se algo estivesse fora do lugar.
Foi a claridade tremeluzente que o denunciou, uma atrás de outra, pelo
chão fora, um caminho feito de pequenas velas, algumas já sem luz, se desenhou
à sua frente como que uma espécie de ziguezagueante desafio. Algumas pétalas, vermelhas, pontilhavam o
chão, e o ar estava carregado com um
aroma doce, inebriante, que á medida que subia as escadas se ia intensificando.
Entrou no quarto e todo ele estava iluminado por incontáveis de velas
de diferentes tamanhos cores e, talvez, aromas, cujo aroma se já tinha tornado
irreconhecível, absurdamente fantástico mas, irreconhecível. A cama estava semi aberta, e nela repousavam as ondas imóveis de um oceano de pétalas, nelas navegava um pequeno pedaço de papel que lhe disse: despe-te e vem...
O caminho desenhava-se para a casa de banho, e ele obedeceu, como bom
rapaz que era.
À sua frente, as pétalas cobriam o caminho, mais velas ocupavam todos
os locais, e uma humidade quente e doce pesava no ar, não se via, mas ela
estava ali, para lá do vidro tornado fosco pelo vapor de água.
Um pouco antes, ela estendeu-lhe um copo de vinho, já marcado de
batôm, e colocou parte da perna direita fora da banheira. Ele pegou no copo, e
ajoelhou-se beijando-lhe o pé branquinho de unhas pintadas.
Na mão livre dela o indicador explica-lhe o que tem de fazer a
seguir, como quem diz: anda daí. Bebeu um gole e pousou o copo. Tocam-se e beijam-se
ao de leve ao entrar no banho.
-- Demoraste... quase me desfaço de tanto banho...
-- Desculpa, já sabes que não é fácil. Cheguei, estou aqui, ...
preciso de ti. [beijo longo]
Ela colocou-se nas suas costas, envolvendo-o com os braços e pernas, passou-lhe
pausadamente a esponja pelo corpo, limpando-o das impurezas do mundo exterior e
das agruras de mais um dia de trabalho. Depois deixaram-se mergulhar
profundamente na água estupidamente quente e perfumada da banheira, quase
adormeciam, não fora ele a despertar com gestos deliberadamente insinuados pelo
corpo que a fizeram tremer. O seu toque desmanchava-a a cada movimento,
deixava-a fora de si.
Lentamente, ambos prosseguiram em carícias longas e carregadas deslizando
um no outro, entre um ritmo de beijos sôfregos e movimentos de
prazer que prolongaram até ao máximo no tempo, mesmo para lá de um após o outro
terem atingido, o clímax.
Vencidos pelo cansaço e exaustos de se amarem até ao limite, ainda
conseguiram forças para se secar e se massajarem com um creme macio de aroma
fresco, que lembrava o mar.
Na cama reencontraram-se num abraço de braços e pernas e beijos, de novo e repetido, em lento e explosivo
êxtase.
Vencidos de vez, adormeceram, abraçados.
...
Ela acordou para um dia claro de Primavera. Ele, não estava na cama.
Levantou-se, vestiu o roupão de seda, e os chinelos fininhos a
condizer.
Procurou-o em vão no quarto e casa de banho.
Não o encontrou a ele nem tão pouco aos vestígios da noite anterior.
Desceu e procurou-o pela casa toda.
Não estava.
O desespero da busca deu lugar à raiva pela certeza do que a sua
ausência significava.
Atormentada, em soluços sôfregos, deitou-se e algum tempo depois acabou
por adormecer.
Fora de novo um sonho.
...