sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

entrou em casa





Entrou em casa já noite profunda e cerrada.

Não pode deixar de a ver, de relance, mesmo muito de relance. Num espaço mais pequeno que um segundo, por uma frincha quase milimétrica da porta mal fechada, tudo viu e tudo lhe passou pela cabeça naquele instante e, quase voltou a trás e entrou no quarto mas, seguiu em frente.



O corpo dela jazia profundamente adormecido, meio dentro meio fora dos lençóis, perturbantemente quase nua, e à pouca luz do corredor, conseguiu ver aqueles pés pequenitos de Cinderela, a luz pálida da lâmpada fraquinha tocava a seda da barriga das pernas acima às coxas, à curva desesperadamente curvilínea do rabo e, ... o veludo da escuridão não o deixou ver mais nada.

Já perturbado vinha, mais perturbado ficou, e o álcool que trazia no bucho fez o resto, procurou consolo nos amigos do costume e nas imagens que a sua mente lhe fazia chegar à laia de estímulos ... triste vida a minha, pensou.

Sentiu-se aliviado mas, não era a mesma coisa.

Depois, sentiu-se nojento, e decidiu tomar um banho, demorado, como se isso lhe fizesse alguma coisa pela limpeza da porcaria que lhe invadia a alma.

Não conseguiu dormir, a digestão parou, pelo banho demasiado quente e pelo álcool ainda aos trambolhões no estômago, passou a noite (se calhar toda) num dormir acordado sem sentido.

Não conseguia distinguir se sonhava acordado ou se acordava assonhado apenas se recordava de sentir invadido por visões brutais de coxas, mamas, bocas, línguas, por toda a parte e em constante rodopio transpirado e sôfrego de formas e posições que não conseguia distinguir onde começava e acabava o seu corpo e o que quem quer que fosse que estava ali enrolado com ele ficou com a impressão que eram várias mulheres, de todas as formas que conhecia ou desejou conhecer, sem que conseguisse identificar um rosto ou um sinal ou uma situação específica. Acabou por passar algumas horas nisto, era como se elas o estivessem a assombrar pelo desejo de o terem na carne e dele fazerem todas as loucuras inconfessáveis que as faziam corar só de pensar ou seria ele próprio que as queria possuir a todas ao mesmo tempo vindo-se dentro e fora delas todas num mesmo longo instante.



Não deu por si adormecer mas quando tinha a certeza de estar acordado foi-se lavar outra vez, estava imundo, no corpo e no pensar. Era cedo ainda mas sentiu-se atrasado, tinha de se despachar, mas não era preciso. Ainda.

Algures, a meio do duche demorado em que minuciosamente se esfregou vezes sem conta, ela entra sem pedir licença de cabelo desgrenhado .

Ela entra no poliban e tomaram duche juntos como das vezes em que se comiam pela noite fora e tocou nele e lavaram-se como se nada se tivesse passado ou se conhecessem há muito tempo não fossem completos estranhos.

Deixou-o ao rubro, só por estar ali com os peitos em riste encostada a ele às vezes.

Ajudou-a a lavar o cabelo e depois a secar o corpo membro a membro.

Escanhoou a barba que era sempre pouca e lavou os dentes e saiu.

Agora estava mesmo atrasado.