sábado, 21 de janeiro de 2012

Cooper Vermelho


A música, o papel, a caneta e um fino foi tudo o que pediu para si próprio naquele fim de tarde. Tinha algum tempo para queimar e aquele espaço no meio de tanta cultura era o ideal para o que queria fazer.
Enquanto se posicionava a meio do fino, buscando numa certa turvidão de ideias a inspiração para escrever, a rapariga que ali trabalhava passa pela sua mesa, e coloca à sua frente, propositadamente, já se vê, um guardanapo de papel, afirmadamente vincado em quatro.
Sem se aperceber bem do que estava a passar, deu por si a abrir o guardanapo, e instântaneamente procurou com a cabeça onde estava a rapariga. Não a encontrou.
No manuscrito estava escrito, «saio às quatro, espera-me em frente à loja».
Ficou pasmo e perturbado, permitindo-se confessar para si próprio estar atordoado até, com tal proposta, não conseguindo raciocinar direito.
Mas porque raio esta rapariga se lembrou disto? Deu por si mais uma vez a olhar em volta de forma pouco discreta, procurando-a pela sala fora e, da rapariga, nem pouco mais que um rasto de fumo.
Releu o papel e olhou o relógio.
Achou-se cada vez mais curioso. Esta rapariga, que trabalhava aqui há alguns anos mas na qual não tinha sequer reparado, nem pouco nem muito, mas que aparentava uns vinte anos, ou até menos, se calhar. Mas o que a levaria a estar a meter-se com um velhadas já bem instalado na casa dos quarenta e que, portanto, quase podia ser pai dela?
Lá em baixo viu-a e deixou-se estudá-la , o mais discretamente que conseguiu, auscultando nas formas da roupa, e sobretudo no movimento, as suas formas que, conferiu, serem muito adequadas, e estabeleceu cálculos diversos por forma a verificar quais das formas cabiam na nas palmas de qualquer das suas mãos, mesmo sabendo de antemão, que por deficiência de crescimento, a sua mão esquerda era um tanto ou quanto mais pequena que a direita. Deixou-se estudar por mais um bocado, algo que o fascinava nas mulheres, o ritmo dos seus movimentos.
Pensando bem, já tinha reparado na rapariga de outras vezes, mas nunca desta forma e deu por si a sonhar acordado sobre as matérias da carne o que, consequentemente, lhe despertou um aceso desejo, o qual julgava não possuir.
Não fazia ideia do que havia de fazer ou de pensar. Era um velho sem interesse, muito menos de despertar vontades em raparigas novas. Não se cansava de perguntar a si próprio, mas que raios teria ele despertado nela?
Já não conseguia escrever mais nada e o fino chocou no copo, já não lhe tocou mais.
O que é certo é que os minutos aceleraram no relógio e, à hora marcada já se tinha sentado impacientemente num banco frente à loja de lingerie que ficava em frente da loja onde a rapariga trabalhava, mascando uma mão cheia de chicletes.
Poucos minutos da hora ele vê-a sair. Ela pára, olha-o nos olhos, faz um ligeiro gesto com a cabeça , e ele segue-a, a pouca distância.

Era tarde e o parque de estacionamento do terraço estava vazio. Tudo se parecia conjugar.
Chovia copiosamente e o vento fazia oscilar o carro bem mais do que eles o estavam a fazer.
Não lhe chegou a perguntar como sabia que era esse o carro dele, nem mais nada, na realidade quase nada disseram um ao outro mais que suspiros e gemidos e, claro está, o «espera» consciencioso dele que antecedeu a pressa em vestir a camisa, justa, de colarinho elevado e sem mangas, mandada vir de propósito das colónias venusianas.
As explosões multiplas de prazer abafaram por completo a brutalidade dos trovões que, nos pára-raios ali à volta se faziam insistentemente sentir, não que eles prestassem qualquer atenção.
Adormeceram enrolados um no outro, todos torcidos e retorcidos, transpirados que nem dois cavalos de corrida.



-- Senhor, chamou ela, Senhor.
Levantou a cabeça e a claridade da sala baralhou-o por completo o descernimento, apenas tinha a certeza que ela o tentava acordar, sacudindo-o insistentemente.
-- Sim...? perguntou ele baralhado. Que foi...?
-- Vamos fechar.
Os olhos abriram-se de supetão para ver que o copo de cerveja se mantinha chôco à sua frente na mesa, a caneta e o papel estavam no chão, e a música dos head-phones emudecida como ficou a sua alma, pasma, neste súbito voltar à realidade.

Pediu desculpa um sem número de vezes, enquanto recolhia as suas coisas espalhadas por toda a parte. Atrapalhadamente levantou-se e com cuidado para que ninguém se apercebesse do seu estado, colocou o casaco à frente das calças e saiu cabisbaixo, sorumbático e triste.
Entrou no carro encharcado pela chuva e gelado como também estava o seu amor próprio.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Peixinho Lindo


Como tantos outros casais, ou duplas, o João e a Maria tinham o sonho de viajar por locais longínquos e exóticos, conhecer os sítios mais paradisíacos e inóspitos até.
Naquele Inverno, resolveram fugir à Europa e passar uns dias num hotelzinho simpático nos arredores de Manaus, bem no meio da Floresta Amazônica. Um hotel fantástico em cima do rio, com todos os luxos a que tinham direito, e a possibilidade, que sempre os fascinou de se espraiarem por entre os meandros do Rio Amazonas em despreocupados passeios a dois.
Como jovens modernos e sexualmente activos, aproveitavam cada período de férias para, fugindo à rotina diária, darem azo a uma certa libertinagem e ousadia fazendo amor nos locais mais impróprios, pelas mais variadas razões, mas sobretudo porque os excitava e mais até porque lhes apetecia, como foi o caso da casa de banho do avião que os trouxera até ali.
Já tinham feito amor em diversos rios e ribeiras, mares e oceanos, lagos e polibans mas, o Rio Amazonas era um fetiche antigo, se é que podia dizer tal coisa.

A tarde daquele dia estava particularmente quente e o teor de humidade na casa dos 80% ainda que não houvesse previsão de precipitação, dirigiram-se ao rio sozinhos. Tinham muita experiência de navegação no mar e em rio, e já dominavam os percursos por ali à volta.
Num dos barcos tradicionais, motorizado, esgueiraram-se até ao Igarapé Jacaré Ubal, alguns quilómetros afastado do hotel e onde podiam fácilmente estar à vontade, escondendo o barco de olhares curiosos.

Ali chegados mergulharam nas águas turvas do Amazonas e encontraram-na suficientemente quente. Ele estava absurdamente hirto e ela quase pulava de tanto pulsar. Sem retirar os fatos de banho fizeram o amor semi-submersos nas águas numa gritaria frenética, pois eram ambos bastante ruidosos como amantes e isso, aliado ao fetiche que estavam a realizar, multiplicou-lhes o prazer, e consequentemente a gritaria.
Estavam a amar-se pela segunda vez sem tirar, quase a chegar ao clímax, quando João e Maria sentem uma ligeira sensação de picada nos pés que os incomodou a ambos, ainda que não os magoasse. Concluiram ser uma planta ou a raiz saliente de uma delas, mas a sensação de picada foi lhes subindo até aos ombros semi-submersos. Não perceberam o que era, não os parecia incomodar, e além do mais estavam demasiado sôfregos a amarem-se.



Dois dias depois a Polícia Federal do Estado de Manaus encontrou o barco e as roupas, recomendando no seu relatório do seu desaparecimento do casal, que a industria hoteleira da região deveria ser mais insistente, persistente e intransigente com os turistas, avisando estes que estudos científicos revelam que tomar banho no Rio Amazonas, não sendo muito perigoso, torna-se bastante mais perigoso se houver lugar a libertação de endorfinas no corpo humano, em especial se associadas ao acto sexual, constituindo-se num poderoso chamariz para a população local de Pygocentrus Piraya , o que habitualmente resulta em desgraça.