sábado, 31 de dezembro de 2011

Contos do Varão II



Ela fazia o espectáculo como de costume, subindo e descendo o Varão Vermelho, dançando à sua volta, em gestos de maior ou menor acrobacia, destreza física, ou arrojo, esfregando o avantajado peito ou o nalguedo, por vezes as beiças, no varão polido de cor mercúrio-cromo.
À sua volta a habitual mole de babões, em estados de alcoolémia vária que proferiam obscenidades diversas acompanhados de assobiadelas e promessas de lhe fazerem sentir algo mais quente e duro que aquele varão de aço. Eram os tipos do costume, os que todos finais de mês, enchiam os bolsos de coragem, para vir ao Varão Vermelho assistir aos espectáculos diários e contínuos.
Mas naquela noite reparou que na segunda fila estava por lá um gajo que, de copo na mão e cigarrilha na outra, que a observava fixamente nos olhos quase sem se mexer e sem proferir qualquer palavra.
Esta atitude intimidatória assustou-a. Já tinha visto espelhadas na clientela expressões de toda a ordem, desde os tarados, aos simplesmente bêbados, muitos mais do que gostaria de se lembrar e, tentando não mostrar hesitações, continuou o espectáculo fazendo por se abstrair do tipo que estava ali,
Não conseguiu, e ele, também não parou o que estava a fazer.

Quando recolheu ao camarim, o Toni vem ter com ela e diz-lhe:
-- Ouve lá arranja-te que tens um cliente para uma sessão na cabine.
-- Ah? Não me digas que era o depravado fdp que não sacou os olhos de cima de mim o tempo todo.
-- Esse mesmo, mas ele é meu amigo e vê lá se o tratas bem se não vou-te ás fuças!
Foi para a cabine onde ele a esperava nas sombras.
-- Dança, só te peço que dances para mim. Não tens de te despir, nem te vou pedir mais nada.
Mais um tarado, pensou ela.
E ela dançou, e dançou, e dançou, e ele sacou de uma cigarrilha, atrás de outra cigarrilha,
Sem ela se aperceber, tinha terminado o tempo, ele interrompeu-a, colocou-lhe o dinheiro na mão e saiu sem palavra.
Ela mal se apercebeu, mas julgou sentir nesse instante a mão dele trêmula e suada.

Ele, sem uma qualquer regularidade, voltava ao Varão Vermelho, observava-a da segunda fila e sempre, a seguir, ela dançava para ela na sessão privada da cabine.

Uma das noites, antes do espectáculo o Toni chamou-a à parte.
-- Olha lá, tu sabes que eu não tenho nada com isso, mas sei que tu por fora fazes uns programinhas para alguns clientes especiais. Como costuma ser? E não quero saber o preço, já sabes que eu não tenho nada com o que se passa fora da porta.
-- Ó Toni, sabes que eu a esses regulares eles levam-me a jantar e depois vamos para um motel e de manhã deixam-me na baixa ao pé de uma praça de taxis para eu seguir o meu caminho. Não levo muito, 250 a 500 paus, depende das manias de cada um. Mas não embarco em taradisses.
-- Pois. Eu sei. Tu sabes que o “tipo misterioso”, como tu lhe chamas, que costuma vir aí para te ver é meu amigo. Mas amigo mesmo, não é como os outros merdas que por aí há. É um gajo á séria. E ele falou-me que queria muito estar contigo. Ele paga o que tu achares que deve ser! E dou-te a minha palavra de honra que é gajo sério! Para tu veres, sou capaz de te pagar já do meu bolso o que tu me pedires! Que dizes?
-- É lá, deve ser um tipo mesmo especial, nunca te vi assim.
-- Histórias antigas, não queiras saber! Como é afinal, posso dizer ao homem que sim?

Ela ficou admirada, pois o Toni nem era de muitas falas e aquele “parlapièrre” todo tinha-a deixado bastante curiosa. Assentou que sim, o tipo até tinha um aspecto interessante, daqueles que apetece levar para a cama, e da vez seguinte que ele veio, depois do espectáculo, ele esperava-a na porta de serviço num Cooper vermelho.
-- Desculpa, eu nunca te disse o meu nome, chamo-me Alberto. Sei que te chamam Alcina Mattrix, mas não preciso que me digas o teu nome. Posso-te chamar Lina?
-- Sim, se quiseres.
Abriu-lhe a porta e ajudou-a a entrar.

Levou-a para um motel. Perguntou-lhe se tinha fome, se queria jantar alguma coisa que ele podia pedir à recepção que eles ali tinham um bom serviço.
Ela disse que não.
Ele foi à casa de banho e regressou de roupão que, entreaberto dava para adivinhar os boxers pretos por baixo.
Pediu-lhe então para dançar para ele no varão que havia ao fundo da cama.

Ele aconchegou-se na cama para assistir, e ela dançou durante algum tempo para ele, que se manteve imóvel e atento, à cabeceira da cama, como quando assistia ao seu espectáculo, até que ele foi buscá-la pela mão e a deitou na cama.

Durante as horas seguintes, tudo o que fez para a descontrair levou-a ao rubro de uma forma que nunca tinha estado com ninguém, sempre com as mãos a boca e a língua, por vezes os dentes, ele usou e abusou de todas as partes do corpo dela, fazendo a ter diversos orgasmos de formas que ela nunca tinha sentido ou sonhado ser possível. Porêm, sem nunca a beijar, nem a penetrar alguma vez que fosse, a não ser com os dedos ou a língua.
No meio da embriaguez sôfrega da loucura orgâsmica daquele sentir, para ela único e surpreendente, lembrou-se que afinal ele ali é que era o cliente e tentou inverter posições e até tocar-lhe no membro, mas ... ele travou-a com a mão. -- NÃO.
-- Então?...
Ele sentou-se e perguntou-lhe.
-- Fiz-te sentir bem?
-- Pois, isso é que é estranho, o cliente aqui és tu ... (ele tapou-lhe a boca com a mão).
-- Esquece isso. Fiz-te sentir bem?
-- (ela revirou os olhos e mordeu o lábio) Demasiadamente bem, nunca ninguém me tinha feito o que tu me fizeste. Mas ...
-- Porquê, é o que queres saber? É justo.
Os dois sentados na cama e ele começou,
-- Eu sei que tu não és uma reles rameira como as outras, vê-se-te isso nos olhos, e o Toni disse-me que tu és rapariga séria e que sabes calar a tua boca por isso é que lhe pedi para ele me ajudar. Como sabes bem eu tenho ido lá ao Varão, gosto da maneira como tu danças e fico doente de cada vez que olho para o teu corpo, e o teu geito, só lamento não te poder tocar mais do que aquilo que viste e sentiste agora.
Fraco pagamento físico para o bem que tu me fazes sentir.
Acontece que eu não posso fazer mesmo mais que isso mesmo. O Toni provávelmente não te disse de onde nos conhecemos, também não te vou dizer exactamente de onde mas, conhecemo-nos há muito anos, fizemos vida militar juntos.
Um dia, durante uma missão, debaixo do fogo inimigo, passamos um mau bocado e eu fui atingido quando tentava retirar com o Toni. Ele estava ferido. Acordei numa cama de hospital todo entubado e só alguns dias depois me apercebi do que se tinha passado.
Fui atingido entre as pernas e para além de algumas cicatrizes, não tenho pénis. Tenho uma pequena sonda por onde urino, mas o pénis foi desfeito e foi-me por isso retirado.
Os olhos dela mudaram de atentos para emudecidos.
-- Provávelmente é a paga pelo mal que sempre fiz às mulheres, às namoradas e prostitutas que sempre tratei mal.
Desde então, posso dizer que vivo bem, habituei-me a saber lidar com esta questão. É assunto do qual não falo a ninguém e és tu a primeira mulher a quem falo disto. Peço-te por isso o eu silêncio e o teu respeito. Peço-te sobretudo que não voltemos mais a falar neste assunto, nem quero que me toques mais aí.
Ela estava cada vez mais emudecida. Olhou-o nos olhos e articulou com dificuldade as palavras,
-- Estou sem palavras. É justo o que me pedes. Mas acredita que fico confusa, pois vim eu aqui para te der prazer e afinal eu é que saio satisfeita.
Ele sorriu.
-- Mas ... não queria que me levasses a mal, mas eu preciso ver para tentar perceber um pouco. Não te gozo, não ...
Ele mostrou-se quase zangado mas olhando para ela acedeu, com muita dificuldade, e baixou os boxers. As cicatrizes que tinha entre as virilhas até quase ao umbigo eram horrendas, tinham escrito a falta de cuidado do hospital de campanha.
Ele olhou-a nos olhos, viu-os esbugalhados e vermelhos. Estendeu a mão, agarrou numa das mãos dela e encostou-a às cicatrizes para que ela pudesse sentir. E viu-lhe nos olhos a dor, de quem tentava perceber.
Ela puxou-lhe os boxers para cima, finalmente deu-lhe um longo e prolongado beijo, e deitaram-se os dois abraçados um ao outro. Ela esvaida em lágrimas silenciosas, e ele, a soluçar frenéticamente.

Quando acordaram sorriram um para o outro. Tomaram banho, e pequeno almoço e ele, conforme o combinado, deixou-a na praça de táxis e seguiu o seu caminho.

Algum tempo depois, numa das noites quando foi trabalhar, viu o Cooper estacionado junto à porta de serviço e quando entrou ele esperava-a. Apertaram-se num abraço e ele perguntou como ela estava e se podia sair com ele outra vez, depois do espectáculo. Ela sorriu que sim.

Ele sempre tinha sido um cliente irregular, continuou a sê-lo, mas as suas saídas à noite, para o motel, prolongavam-se sempre até de manhã, ao pequeno almoço. Ela saia sempre de lá com vontade de ficar pois ele tinha sido sempre um cavalheiro, e um amante perfeito, quer dizer, quase, e durante todo este tempo tinham-se tornado amigos e confidentes.
Ela foi conseguindo que ele se abrisse cada vez mais e, sempre sem tocar no assunto ou no local proibido, foi conseguindo que também ele sentisse algum prazer, com massagens, beijos e lambidelas de toda a ordem. Ele era afinal um homem bonito, mas mesmo que não o fosse, fazia-a sentir sempre tão bem que era o homem perfeito. Numa noite qualquer ou num acordar de manhã à conversa, os dois deitados frente a frente, se abstraíssem um pouco, eram um casal a ter uma conversa de cabeceira perfeitamente normal, uma conversa de cabeceira igual a tantos outros casais. Só não eram um casal, pois ele era um cliente.

Uma noite qualquer, ela disse que tinha uma surpresa para ele e pediu que ele fechasse os olhos para colocar uma coisa.
Quando se apercebe o que se estava a passar, ele abre os olhos,
-- Sua grandessíssima ...
Atira com a prótese para o fundo do quarto, dá-lhe um violento estalo e sai porta fora.

Ela nunca mais o viu.

O Toni deu-lhe uma descasca do pior e por pouco não a desancou também. A partir daí, e até hoje, ela recusa contacto físico com toda a sorte de homens, apenas dança.

A dança dela no Varão deixou de ter a mesma graça, até que uma amiga e confidente lhe disse,
-- Porque não fazes como eu? Eu quando danço esqueço aquela corja de bêbados e finjo que estou a dançar para o meu Quim, nem os consigo ouvir e saio dali melhor. Por que não fazes o mesmo?

A partir daí passou a trabalhar melhor, e até o Toni, que a esteve quase a mandar para as couves, parecia mais satisfeito.

Às vezes, no meio da dança, fecha os olhos e tem a nítida sensação que ele ali está, naquela segunda fila. Abre os olhos e enfrenta a dura realidade.

Mas, às vezes, ele, nas sombras do bar, vê o espectáculo dela e sabe que é para ele.

Nessas noites, ela encontra no camarim uma rosa vermelha.
Nessas noites adormece a chorar, pois nunca lhe dissera o seu nome.

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