Já dormitava quando o telemóvel
tocou o toque de uma mensagem.
«Quero-te agora!»
Olhou o relógio e ficou confuso,
baralhado, por instantes, entre o sono e aquele despertar. Teve de pensar um
bocado antes de responder.
«Tens a certeza? Pensa melhor... Se
calhar é melhor não...», respondeu.
«QUERO-TE JÁ!»
Suspirou profundamente ao mesmo
tempo que o seu coração deu um salto no ritmo com que estava a trabalhar (já
era o segundo hoje). Passou a mão pelo alto da cabeça e: «Dá-me 15 minutos»
«5»
Vestiu-se aos tropeções, t-shirt,
calções e chinelos de dedo, voltou atrás para apanhar a carteira e lavar os
dentes. Quase caía pela escada abaixo.
Parou o carro e apagou as luzes. Ela
saiu da penumbra e entrou. Ainda não se tinha sentado e: « Arranca!... não
quero que nos vejam. Agora vira aqui, e ali á frente no semáforo à direita,
...»
Foi seguindo o caminho indicado por
ela em jeito de ordens gritadas. Em desespero, quase, tentando obedecer. Nem articulou uma palavra.
À entrada, identifica-se enquanto
ela se encolhe no seu lugar.
- Um quarto normal, por favor.
Ele fecha o portão da garagem e ela
sai do carro para o quarto. Ele segue-a de perto. Parecia que aquele era em
ambos um gesto normal já mecanizado, um hábito antigo.
Mal ele fecha a porta e se volta é
envolvido pelo seu abraço apertado. Beijam-se. Ele, ainda sem perceber o que
lhe tinha acontecido, tenta ler-lhe nos olhos a razão de tanta urgência. Ela
parecia ter nos olhos o choro mas também o desejo e, ao mesmo tempo, a confusão
tremenda que lhe reinava dentro da cabeça.
Enquanto o agarra e o beija, tenta
tirar-lhe a t-shirt, entre a atrapalhação doida da luxúria, polvilhada de
apertões, e beijos quentes molhados e sôfregos. Lá acabam de se despir a
caminho do banho, para onde a mão firme dela o arrasta.
O banho esticou-se no tempo,
demorado e quente, feito de perfumado ensaboar, de descoberta mútua, pelo toque
das mãos, das formas do corpo, a pele sublimada pelo gel perfumado e pela água
corrente quente, repetindo os mesmos gestos lentos carregados de carícias,
sôfrego desejo e deslumbramento.
Muito mais tarde, meios secos, meios
molhados, envoltos por dois roupões lavados e fofos, espraiam-se ao longo do
sofá aos pés da cama, enroscados um no outro. Trocam estudiosos olhares silenciosos,
continuando a experimentação da descoberta dos corpos, pelas mãos
acariciadoras, e pelos beijos de lábios e línguas quentes húmidas e trémulas.
Conversaram enrolados no toque e no
calor dos corpos.
Dos silêncios e do banho quente veio
o sono. Ela adormeceu profundamente no sofá ainda que ele tivesse tentado
convencê-la a irem para a cama. Em resposta arrastou palavras dizendo que era
ali que estava bem e adormeceu com um sorriso carregado de tranquilidade. Ele
suspirou ao vê-la tão frágil e inocente, tão despida de tudo e deixou-se ficar
ali a zelar, envolvendo-a com o seu corpo como um animal que cuida da cria.
Acabou por não saber a razão da
urgência, a razão da mudança, a razão do
querer. Não lhe importavam as razões, ali estavam os dois agarrados no sofá e
nada mais à volta interessava. Era um momento só deles e, ainda que fosse
aquele o último, sentia-se bem apenas com o estar ali.
Num dos momentos de consciência
entre o dormir e o estar acordado, apreciou aquela cena como se estivesse a
pairar fora dela. Os seus dois corpos, meios cobertos meios descobertos por
roupões brancos, deitados naquele sofá de couro preto, por baixo um espesso
tapete vermelho, à volta e por cima espelhos reflectindo a cena em ângulos
diversos.
Reflectiu sobre os reflexos deles
próprios, como reflexos da realidade real de ambos, ao mesmo tempo reflexo da
“pluri-pluralidade” das diferentes formas de ser e sentir.
No meio disto, recordou-se de quando
se encontrou com ela pela primeira vez, nervoso, às escondidas, e do salto que
deu o seu coração, ficando com o ritmo todo aos ziguezagues, com o primeiro
beijo na face e o toque no braço frio dela.
Não deu por adormecer.
Foi ela que o acordou, com um beijo,
qual fada saída de uma nuvem cor de rosa.
« Reality check... que horas são?»
Levou-a a casa quando o sol já se
espreguiçava lá ao longe, cheio de frio. Ela saiu com tristeza no olhar. Não
conseguiu disfarçar.
« Não fiques assim. Vá lá... falamos
depois, sim? »
« Sim... »
Tinham estado juntos na intimidade
partilhada do corpo e do sentir, porém não tinham sublimado o momento, quem
sabe por não o quererem estragar, confundindo tudo, trocando aquele momento por
outro qualquer.
O olhar dela parecia dizer: mas ...
não fizemos amor.
Ele sorriu e respondeu à pergunta
que os olhos fizeram.
« Se pensares bem, fomos bastante
para além disso.»
Podia ter sido esta a última vez que
estavam juntos, porém nunca haveria uma outra igual.
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